Elaboração sobre a Sophia e sua queda [CoulianoGDO], resgatando a origem do mito e algumas interpretações e concluindo com uma “análise e síntese do mito”:
As versões analisadas do mito de Sophia oferecem-nos todo um «pacote» de motivações de sua queda, das motivações individuais que nem sempre são perfeitamente idênticas que se combinam com duas ou três para explicar a causa deste acidente trágico. São elas reduzíveis a um denominador comum?
O epiteto Prounicos, que faz alusão à lascívia de Sophia (Irineu de Lião, I, 29, 4; 30, 3-4), assim como a denominação de « Prostituta » (Segundo Tratado do Grande Set, VII, 50, 28), parecem indicar seu estado de insaciabilidade erótica. Sophia ou Logos são ditos ser jovens (Hipólito de Roma (Hipp), VI,30, 6; Tratado Tripartite, I, 77, 18); dois textos afirmam que Sophia não tem cônjuge (Irineu 129, 4; Paráfrase de Sem, VII, 21). De todo jeito, ela pensa sem seu cônjuge (Apócrifo de João, II, 57, 25 ss), ela quer criar sem ele (A Hipóstase dos Arcontes, II, 94, 4-8) ou sem a ordem do Pai (EPÍSTOLA DE PEDRO A FELIPE, VIII, 135,12), em todo caso ela agiu sem consultar o pleroma (Segundo Tratado do Grande Set, VII, 50, 28). Nas versões valentinianas (Valentino ou Valentim), ela sobe em direção ao Pai atormentada pela paixão erótica e pela temeridade (Irineu de Lião, 12, 2; Hipólito de Roma, VI, 30, 6); em Irineu de Lião, esta é a causa de sua queda; em Hipólito de Roma, é o fato de querer imitar o Pai e de gerar sem sizigia. Frequentemente, ela olha lá para baixo, ato ilegal (Irineu de Lião, 129, 4) proveniente de sua inexperiência (Tratado Tripartite, Codex I, 77, 18 ss) ou resultado das maquinações de um poder mau (Pistis Sophia, 31 p. 28 S.-T.). Entre os Barbelognósticos de Irineu de Lião, a sequência é formada por três motivações individuais: Sophia não tem cônjuge, ela olha para baixo, este ato é ilegal (em relação à seu estatuto no pleroma). No tratado homônimo, Pistis Sophia é objeto da armadilha preparada pelo Tríplice Poder Authadès-“O Arrogante”4 , que, com ajuda de um engodo, a incita à olhar lá para baixo. Até aqui, ela é inocente; mas ela torna-se culpada quando ela desce para ver, sem a permissão de seu cônjuge.
Nos tratados « setianos », Sophia é um ser andrógino, mais propriamente uma matriz provida de « phallus » que se autofecunda. A coisa passa uma vez por normal (Protenoia Trimorfe, XIII, 45), outra vez é irregular pelo fato de Sophia agir assim para não ter cônjuge (Paráfrase de Sem, VII, 21). A partir desta copulação com ela mesma, descrita em termos bastante crus, da ausência de um parceiro, de seu estado de insaciabilidade e de curiosidade mórbidas, pareceu-nos lógico concluir que o denominador comum das motivações de sua queda era o autoerotismo (Feminine, 88-90). Na realidade, Irineu de Lião tinha provavelmente razão; a causa genérica do drama é dupla: erotismo e temeridade, insatisfação e ação ilegal. Juventude, ausência de um cônjuge, insaciabilidade e autofecundação revelam erotismo; subida e descida sem permissão e imitação do poder genésico do Pai fazem parte da esfera da ilegalidade; inexperiência, curiosidade feminina e desejo de conhecer o Pai fazem reaparecer as duas esferas ao mesmo tempo.
Três textos fazem figura à parte. Entre os Ofitas de Irineu de Lião (130,3-4), Sophia-Prounicos, Poder de Esquerda e andrógino, é o resultado de um acidente no pleroma: sua queda não foi devida a seu livre arbítrio. O Tratado Tripartite insiste, ao contrário, sobre a liberdade de Logos, acentuando totalmente a parte da responsabilidade de seus superiores a qual a omnisciência fica assim salva, mas a consciência é evidentemente queimada. Enfim, o mito do Éden-Israel, esposa do demiurgo Elohim no Livro de Baruch do gnóstico Justino (Hipp, V, 24, 14 ss), recombina de uma maneira diferente os elementos presentes no mito de Sophia, para descrever uma mesma situação de decadência do mundo e do homem, causada por uma entidade feminina decaída, insatisfeita e desequilibrada.
O relato do Jardim do Éden forma um complemento importante do mito de Sophia: longe de romper esta impressão de unidade que suas variantes não deixam de dar, indica claramente que a fábula não é senão um instrumento para transmitir alguns dados essenciais invariáveis.