Böhme foi responsável por reintroduzir essa doutrina da “nova Eva” (embora não a interpretação bastante literal de Guillaume Postel) na Europa, e seus ensinamentos repercutiram ao longo dos séculos seguintes, tendo as doutrinas sofiânicas um impacto especial em escritores como Gottfried Arnold e Johann Georg Gichtel. Arnold, autor de um estudo maciço e influente sobre a história e a heresia cristãs, também foi o autor de um importante livro da escola böhmeana, com foco exclusivo em Sophia. Em Das Geheimnis der Göttlichen Sophia, publicado em Leipzig em 1700, Arnold expandiu as doutrinas sofiânicas essencialmente böhmeanas para incluir fontes cristãs ortodoxas e heterodoxas, desde Agostinho, Orígenes e Valentinus.
Sophia, então, nas palavras de Nigg, que editou a edição moderna da obra de Arnold, “é um Ser eterno, que antes de todas as criaturas, com a Santíssima Trindade, é eterna e permanece para sempre na eternidade. Ela está acima de todos os anjos; a sabedoria eterna tem sua raiz somente na própria Deidade e, por meio de seu Ser, revela-se . . . . Sophia não é uma pessoa fora da Trindade; … o espírito de Jesus e o espírito de Sophia não estão separados.” “A eterna Sophia incita os homens, por meio do renascimento, a retornar à plenitude no Paraíso, para o qual os conduzirá.”1 Esse último ponto é particularmente significativo: O livro de Arnold sobre Sofia nos conduz por uma espécie de jornada sofiânica — desde o contato com ela, passando por seus beijos, até o sagrado casamento com Sofia — e todas essas coisas dependem da metanoia interior, ou “regeneração”. Sophia conduz o homem de volta à plenitude do Paraíso.
O protestantismo tem um caráter intelectual excessivamente masculino, e a natureza feminina de Sofia fala de um aspecto da humanidade ignorado em grande parte do protestantismo; traz uma atmosfera mais calorosa e até mesmo maternal. Como Nigg ressalta: “Na feminilidade reside um dos mistérios mais profundos do mundo. Desse mistério emana um poder esclarecedor, o mesmo que a luz incriada que brilhou do Monte Tabor. O misticismo sofiânico afeta diretamente o coração do homem.” Foi necessário que Arnold usasse uma linguagem religiosa erótica um tanto colorida para falar de Sofia, mas ao fazer isso seguiu uma tradição muito mais antiga que remonta ao próprio Cântico dos Cânticos. Certamente é possível interpretar mal essa linguagem, mas tem antecedentes na Bíblia: é uma tentativa de tornar acessível à mente racional aquilo que transcende a razão.