(…) A noumenalidade não tem necessidade de se identificar com a fenomenalidade, assim como um ovo não precisa ser identificado com um ovo, nem o Isto-que-somos precisa se identificar com o Isso-que-somos, uma vez que a diferenciação entre eles é apenas de apreciação objetiva. Mas uma identificação da noumenalidade, não com a fenomenalidade, mas com fenômenos discriminados ou separados, implica a divisão em sujeito e objeto da fenomenalidade e a atribuição de subjetividade ao que é puramente objetivo. Essa pseudo-subjetividade é atribuída ao centro ‘funcional’ de cada objeto fenomenal separado, e isso produz a ideia de um indivíduo autônomo com um ego-eu.
Em outras palavras, sendo a fenomenalidade parte integrante da noumenalidade, deve ser a discriminação da fenomenalidade em fenômenos separados, possuidores de caráter tanto subjetivo quanto objetivo, que produz a identificação. Essa identificação, então, é a atribuição da função subjetiva à objetivação de um centro fenomenal ou “funcional” em cada um desses fenômenos, criando, assim, um indivíduo com um suposto ego-eu. Em suma, o ponto focal funcional de uma objetivação fenomenal foi dotado de uma subjetividade pessoal suposta, ao passo que sua única subjetividade é sua noumenalidade. Essa subjetividade suposta é então objetivada como uma entidade que possui total autonomia.
A identificação do Isto-que-somos com objetos fenomênicos separados que, sem essa identificação, são simplesmente nossa fenomenalidade como tal, envolve a objetivação de cada um deles. Nesse processo, o centro “funcional” passa a ser visto como o centro de um suposto indivíduo com um ego-eu, desenvolvendo assim uma suposta entidade em que há meramente fenomenalidade funcionando impessoalmente como sujeito e objeto. Ou seja, como tal, ele funciona subjetiva e objetivamente em mente dividida, acompanhado por “espaço” e “tempo”, tão “mecanicamente” quanto um relógio.
A natureza absoluta, que se manifesta por meio de cada ser senciente, não reconhece nenhuma entidade no cosmo fenomenal, não tem necessidade dela, nem qualquer função que possa cumprir. A existência de uma entidade autônoma e volitiva seria incompatível com o funcionamento do prajna, e a noção de tal entidade parece ser uma aberração para a qual não há lugar. Uma entidade, portanto, é “um sonho, uma ilusão, uma bolha e uma sombra”, como disse o Buda no Sutra do Diamante, uma brisa de fantasia que perturba as águas calmas da mente, sem qualquer possibilidade de produzir qualquer efeito de caráter factual no sonho da vida fenomenal.
Observação: Sim, sim, é isso mesmo. O que o Buda descreveu de forma tão lúcida, e eu de forma tão obscura, é — como você suspeita — aquilo que você pensa que é.