O que olhas, dizes ou ouves é apenas uma interpretação da realidade em um meio dualista, e não tem nenhum ser-enquanto-tal reconhecível com a realidade, exceto em sua natureza que não pode ser olhada, dita ou ouvida.
tradução
dois: Boas novas, velho amigo, o melhor de sempre.
um: Excelente. Isto quer dizer?
dois: Sou realidade!
um: Tão óbvio quanto teu nariz, mas parabéns por perceber.
dois: Fantástico! Não tinha ideia de que a vida tinha tanta emoção! Quero dançar, ou pular por sobre a lua. Sinto como se uma névoa tivesse levantado, como se um fardo insuportável tivesse sido tirado dos meus ombros.
um: O eu-conceito é como ser amordaçado e amarrado a correntes, não é?
dois: Sim, de fato. Há muito que acreditava que a coisa não existia, mas agora vim a conhecer. Que diferença !
um: ‘Acreditar’ era apenas a pretensão usual; sabendo que ainda é intelectual; quando o experimentas, a gravidade não existe mais.
dois: Quando olho, quando falo, quando ouço, é realidade que olha, fala e ouve!
um: Quem mais poderia haver para olhar, falar e ouvir?
dois: Ninguém, mas não percebia. E o que olho, o que digo, o que ouço — é realidade!
um: Bobagem; não é nada desse tipo!
dois: Como assim? Então o que é?
um: O que olhas, dizes ou ouves é apenas uma interpretação da realidade em um meio dualista, e não tem nenhum ser-enquanto-tal reconhecível com a realidade, exceto em sua natureza que não pode ser olhada, dita ou ouvida.
dois: E ainda assim o ‘eu’ que olha, fala, ouve, é realidade? Parece ilógico.
um: A realidade nada sabe de lógica; nunca foi à escola.
dois: Mesmo assim. . . Mas é claro que deves estar certo; pensando nisso, o que olho, digo e ouço não pode ser realmente real, pode?
um: Não poderia. O que olhas, dizes e ouves consiste de objetos na consciência, interpretações da realidade em um contexto de tempo, espaço e dualidade.
dois: Sim, sim, mas por quê?
um: Porque, é claro, a realidade estando fora do tempo, sem espaço e não-dual — todos os quais são apenas conceitos — não pode ser percebida como é, por meio dessas limitações.
dois: Então como posso realmente ser percebido?
um: Não podes — a menos que seja como um símbolo algébrico, ou, talvez, como relação, como harmonia, por exemplo; és normalmente visto como um objeto na consciência, dualisticamente no tempo e espacialmente como forma.
dois: Minha realidade, meu ser-enquanto-tal, só podem ser inferidos?
um: A inferência é inevitável, mas seu ser-enquanto-tal é imperceptível.
dois: Como, então, me torno perceptível?
um: Por estar vestido; és tu mesmo invisível, apenas tuas vestes são vistas.
dois: Minhas vestes? Que vestes e de onde vêm?
um: Tuas vestes são qualidades projetadas sobre ti pelo pensamento dualista.
dois: Que tipo de qualidades?
um: Todos os tipos — tamanho, peso, forma, cor, caráter. . .
dois: Mas essas são todas as estimações, funções de seus opostos, pontos em uma escala de valores imaginários, limitados pelo alcance de nossos sentidos, desprovidos de realidade intrínseca!
um: Vês isso claramente; estás lendo o Sutra do Diamante – Assim ouvi. . . ‘
dois: E despojado dessas estimações dualísticas, arbitrárias e irreais, o que sou?
um: Um buraco no espaço.
dois: Como todo o resto?
um: Como tudo o mais sensorialmente perceptível. Como todo o universo, percebido por nossos sentidos e suas extensões mecânicas.
dois: O ser-enquanto-tal de nenhum objeto pode ser percebido?
um: Obviamente não.
dois: Mas o que são objetos, quando tudo é dito e feito?
um: Objetivações da realidade da única maneira que a realidade pode ser objetivada, isto é, pela abordagem dualística, compreendendo a consciência e seus objetos — todos nós somos.
dois: E a consciência inclui todos os objetos?
um: Tudo o que é cognoscível. Nada está fora da consciência, pois não há fora disso.
dois: Como sujeito, sou sempre real; como objeto, sou sempre relativo?
um: Relatividade significa realidade vista dualisticamente como observador e observado.
dois: De repente, parece simples!
um: Complicações surgem apenas em problemas falsos.
dois: Como é possível identificar-se com um objeto, quando se se conhece como sujeito?
um: Não é possível! Vens identificando-te a ti mesmo com um objeto em vez de te reconhecer como sendo também sujeito, isto é tudo.
dois: E no entanto estava eternamente dizendo ‘eu’, como todo mundo!
um: Este ‘eu’ era um objeto, nunca o sujeito real quando o usavas condicionalmente, eis o motivo.
dois: Então é isso; quando alguém compreende, percebe, sabe que se é eu-realidade. . . torna-se óbvio!
um: Tão óbvio como um nariz!
original
two : Great news, old chap, the greatest ever.
one : Excellent. That is to say ?
two : I am reality!
one : As obvious as your nose, but congratulations on noticing it.
two : But it is terrific! I had no idea life held such a thrill! I want to dance, or jump over the moon. I feel as if a fog had lifted, as though an insupportable burden had been taken from my shoulders.
one : The I-concept is like being gagged, and bound with chains, is it not ?
two : Yes, indeed. I had long believed the thing did not exist, but now I have come to know it. What a difference !
one: ‘Believing’ it was only the usual pretence; knowing it is still intellectual; when you experience it even gravity will no longer exist.
two : When I look, when I speak, when I listen, it is reality that looks and speaks and listens!
one : Who else could there be to look and speak and listen ?
two: No one, but I didn’t realise it. And what l see, what I say, what I hear—is reality !
one : Nonsense; it is nothing of the kind!
two: What do you mean? What is it then?
one: What you see, say or hear is only an interpretation of reality in a dualistic medium, and bears no recognisable resemblance to reality except in its suchness which can neither be seen, said nor heard.
two : And yet the ‘I’ that sees, speaks, listens, is reality? It seems illogical.
one: Reality knows nothing of logic; it has never been to school.
two: Even so . . . But of course you must be right; come to think of it, what I see, say and hear could not be really real, could it?
one : It could not. What you see, say and hear consists of objects in consciousness, interpretations of reality in a context of time, space and duality.
two: Yes, yes, but why?
one: Because, of course, reality being outside time, without space, and non-dual—all of which are concepts only—cannot be perceived as it is via those limitations.
two: Then how can I really be perceived?
one : You cannot—unless as an algebraic symbol, or, perhaps, as relation, as harmony for instance; you are normally seen as an object in consciousness, dualistically in time, and spatially as form.
two : My reality, my suchness, can only be inferred?
one : The inference is inescapable, but your suchness is imperceptible.
two : How, then, do I become perceptible?
one: By being clothed; you yourself are invisible, only your clothes are seen.
two : My clothes? What clothes, and where do they come from?
one : Your clothes are qualities, projected on to you by dualistic thinking.
two : What kind of qualities?
one: All kinds—size, weight, shape, colour, character . . .
two : But those are all estimations, functions of their opposites, points on a scale of imaginary values, limited by the range of our senses, devoid of intrinsic reality !
one : You see that clearly; you have been reading the Diamond Sutra—‘Thus have I heard . . .’
two: And stripped of these arbitrary and unreal dualistic estimations, what am I?
one : A hole in space.
two: Like everything else?
one: Like everything else sensorially perceptible. Like the whole universe as perceived by our senses and their mechanical extensions.
two: The suchness of no object can ever be perceived ?
one: Obviously not.
two : But what are objects, when all is said and done?
one: Objectivisations of reality in the only way reality can be objectivised, that is, by the dualistic approach, comprising consciousness and objects thereof—all of which we are.
two : And consciousness includes all objects?
one: Everything that is cognisable. Nothing is outside consciousness, for there is no outside of that.
two: As subject, I am always real; as object, I am always relative?
one: Relativity meaning reality envisaged dualistically as Observer and observed.
two: Suddenly it seems simple!
one: Complications only arise in false problems.
two: How is it possible to identify oneself with an object, when one knows oneself as the subject?
one: It is not possiblel You have been identifying yourself with an object instead of recognising yourself as being also the subject, that is all.
two : And yet I was eternally saying ‘I,’ like everybody else!
one: That ‘I’ was an object, never the real subject when you used it conditionally, that is the reason.
two: So that is it; when one understands, realises, knows that one is I-reality . . . it becomes obvious !
one: As obvious as a nose !