TRADIÇÃO — REVELAÇÃO — SHRUTI E SMRITI
Eliot Deutsch: THE ESSENTIAL VEDANTA
Para se formar uma compreensão adequada do sentido e abrangência do termo «Revelação» na tradição hindu, é preciso deixar de lado todas as implicações do termo nas religiões mediterrâneas, tais como o Judaísmo, a Cristandade e o Islame. Estritamente falando, «revelação» é um nome incorreto, posto que não há revelador. O termo sânscrito para tal é sruti, literalmente «a escuta», que significa um erudição adquirida pela escuta à instrução do mestre. Esta instrução ela mesma foi transmitida ao mestre através de uma série ininterrupta de mestres que se estende ao começo da criação.
A Revelação, portanto, não é de modo algum a palavra de Deus — porque, paradoxalmente, se tivesse que derivar de uma pessoa divina, sua credibilidade seria impugnada. Ela é sustentada como sendo sem autor, pois se uma pessoa, humana ou divina, detivesse sua autoria, seria vulnerável aos defeitos inerentes em tal pessoa. É axiomático que a revelação é infalível, e esta infalibilidade pode ser defendida somente se ela é sem autor.
Então de onde ela vem? A resposta é simples: é dada com o mundo. Para algumas das pensadores da Mimansa (ou ortodoxos, exegéticos) que trataram deste problema, o mundo é sem começo e a pressuposição de um criador é tanto problemática e desnecessária. E mesmo se um começo do mundo é assumido, como no pensamento hindu tardio quando é sustentado que o universo se dá por um ritmo pulsante de originação, existência e dissolução, é também sustentado que na aurora de um novo mundo a revelação reaparece à visão dos videntes, que uma vez mais iniciam a transmissão.
A Revelação vem assim com o mundo e encorpora as leis que regulam o bem-estar de ambos, mundo e homem. Estabelece primeiro e acima de tudo o que é nosso dharma, nosso dever. Este dever é mais precisamente definido como um conjunto de atos que ou devem ser feitos continuamente (nitya), ou ocasionalmente (naimittika), ou deve ser feitos para satisfazer um desejo específico (kamya).
René Guénon: O HOMEM E SEU DEVIR SEGUNDO O VEDANTA
A autoridade da Smriti é derivada da Shruti sobre a qual está fundamentada. A Shruti não é uma “revelação” no sentido religioso e ocidental do termo, como o querem a maior parte dos orientalistas que, aí ainda, confundem os pontos de vista mais diversos; mas ela é o fruto de uma inspiração direta, de modo que é daí que ela tira sua autoridade própria. “A Shruti, diz Shankarâchârya, serve de percepção direta (na ordem do conhecimento transcendente), pois, para ser uma autoridade, ela é necessariamente independente de qualquer outra autoridade; e a Smriti desempenha um papel análogo ao da indução, pois ela tira sua autoridade de uma outra autoridade que não ela mesma”.