VIDE: QUEDA
TRANSFORMAÇÕES ORGÂNICAS
Parece provável, além do mais, que transformações biológicas seguiram, no organismo humano, o desnivelamento mental e a ocultação (v. RUPTURA COM O SER), contribuindo assim a estabilizá-los. A súbita mutação do pensamento, que implicava em uma alteração de funcionamento na complexidade do dinamismo corporal, não pôde, com efeito, senão se repercutir sobre a matéria do homem. E é possível que após o pecado, o corpo dos primeiros seres humanos, dotado de uma plasticidade maior que a nossa, tenha dado por aí nascimento a variedades rácicas de aspecto diversificado. Acomodações orgânicas, que, presentemente, levariam milênios para se fixar, e para fornecer uma nova variedade de homens, puderam se cristalizar então em algumas gerações. Notemos igualmente que os grupos iniciais deviam conservar o uso do conhecimento sintético original, sobrevivência do estado sobre-humano anterior à ocultação, muito mais facilmente que não foi o caso nas eras posteriores, e também reter certos poderes de ação imediata sobre a matéria ou de deslocamento instantâneo , que quase desapareceram em seguida, — se atrofiando da maneira que a visão se enfraquecia pouco a pouco nas espécies animais que mudam de habitat para viver continuamente nas Trevas. Os fatos que chamamos presentemente supranormais ou paranormais, e que são simplesmente a herança, muito atenuada, das modalidades de conhecimento e de ação próprias ao homem primordial, foram sem nenhuma dúvida mais numerosos, mais correntes, e mais decisivos, nas épocas recuadas do que o são na nossa.
Se todavia, o descolamento mental confundiu em nosso primeiro ancestral a maneira de apreender as coisas, não modificou em absoluto a maneira de concebê-las. O novo mundo, ou mundo apreendido como agregado de sensações, não se tornou portanto para ele o mundo verdadeiro. O único universo real foi sempre o mundo maravilhoso que vinha bruscamente se velar a seu olhar, e do qual conservava a lembrança; somente, em lugar de ver doravante os seres, ele os sentia, os pressentia, os imaginava, em se esforçando por fazer enquadrar suas percepções com as intuições de outrora, assim como um homem, que se tornou subitamente cego, chega pouco a pouco a agrupar a seu redor suas imagens visuais antigas às percepções sonoras, tácteis, ou outras, às quais ele está doravante reduzido. Da mesma forma, apesar de sua visão para o exterior, o primeiro homem continuou, tanto quanto pôde, a agir sobre os objetos pelos métodos precedentes, quer dizer como se entrasse sempre em contato com eles instantaneamente e pelo interior. Em outros termos, houve mutação brusca em seu modo de conhecimento, mas não em suas visões gerais nem em sua atitude para com a natureza: a este respeito, uma transformação súbita seria inexplicável; mesmo caindo ao nível animal-humano, guardou forçosamente sua mentalidade inicial, sua mentalidade «preternatural»: é ela que ele transmite, sob forma de tradição religiosa, a seus filhos, e por eles, às gerações posteriores.
Essas tiveram de se impregnar tanto mais facilmente que, mesmo em nossos dias, depois de milhares de anos de imersão no mundo apreendido como físico, cada um de nós sente muito forte, um desacordo profundo entre o que ele alcança, entre seu pensamento, que transborda de todas as partes a brutalidade dos fatos, e os objetos sensíveis que lhe são dados. Basta a princípio observar quão longa, difícil, e por vezes dolorosa, é para a criança a aquisição da mentalidade experimental ou científica, para se dar conta que nossos primeiros pais não tiveram certamente de fazer um grande esforço para inculcar em sua descendência as noções fundadas sobre o universo do Real: a alma humana não é manifestamente nada adaptada ao universo visualizado como físico.