Izutsu (ST:89-90) – Sombra

No capítulo anterior, foi discutida a relação especial entre o Absoluto e o mundo. Vimos como o Absoluto e o mundo são contraditoriamente idênticos um ao outro. Os dois são, em última análise, o mesmo; mas essa afirmação não significa que a relação entre eles seja de simples identificação: significa que o Absoluto e o mundo são o mesmo, ao mesmo tempo em que são diametralmente opostos um ao outro. As criaturas não são, em essência, nada além de Deus, mas em suas formas determinadas elas estão longe de ser o mesmo que Deus. Ao contrário, elas estão infinitamente distantes de Deus.

Ibn Arabi, como já observamos, tenta descrever essa situação contraditória por meio de várias imagens. A “sombra” (zill) é uma delas. Usando essa metáfora, ele apresenta seu ponto de vista em uma proposição básica: “O mundo é a sombra do Absoluto”. O mundo, como a sombra do Absoluto, é a forma deste último, mas é um grau inferior a ele.

Saiba que o que geralmente se diz ser ‘outro que não o Absoluto’ ou o chamado ‘mundo’ é, em relação ao Absoluto, comparável à sombra em relação à pessoa. O mundo, nesse sentido, é a ‘sombra’ de Deus.

Deve-se observar, com relação à passagem citada acima, que, no pensamento de Ibn Arabi, não há, estritamente falando, nada “além do Absoluto”. Essa última frase é apenas uma expressão popular. Mas a expressão popular não é totalmente infundada, porque filosófica ou teologicamente o mundo é uma forma fenomenal concreta dos Nomes Divinos, e os Nomes Divinos são, em certo sentido, opostos à Essência Divina. Nesse aspecto, o mundo é certamente “outro que não o Absoluto”. O argumento de Ibn Arabi continua:

(Dizer que o mundo é a sombra do Absoluto) é o mesmo que atribuir existência (i.e., existência concreta e sensível) ao mundo.

Pois a sombra certamente existe sensivelmente, exceto pelo fato de que ela o faz somente quando há algo em que ela aparece. Se não houver nada em que apareça, a sombra permaneceria meramente inteligível sem existir em uma forma sensível. Nesse caso, a sombra permanece in potentia na pessoa a quem é atribuída.

Toshihiko Izutsu (1914-1993)