É necessário proceder analiticamente, como se nos é explicado várias vezes a propósito da “não-Ipseidade” (anatta) de todos os fenômenos. O que é necessário repudiar, é o que hoje chamar-se-ia de “animismo”. O mecanismo psico-físico que reage não é um “Eu”; está desprovido (sunna) de toda propriedade de Ipseidade. O ego, consciência ou existência “individual” (attasam-bhava) é um composto de cinco fundamentos (dhatu) associados ou de cinco ramificações (khandha), a saber: o corpo visível (rupa, kaya), a sensação invisível (vedana, agradável, desagradável ou neutra); o reconhecimento ou consciência (sanna); as construções, isto é, o caráter (samkhara); enfim a discriminação, o discernimento, o julgamento, a apreciação (vinnana): em resumo, é um composto do corpo e da consciência discernente (savinna-naka-kaya), é a existência psicofísica. Demonstra-se por todos estes fatores sua origem causal, sua variabilidade, seu caráter perecível; não são “nossos” uma vez que não podemos dizer “que sejam (ou: nós mesmos sejamos) assim ou assim” (Samyutta Nikaya III, 66-67): não podemos constatar o que eles “vêm a ser”, o que nós “vimos a ser”: somos apenas uma entidade biológica, movida por impulsos hereditários1. A demonstração termina sempre por estas palavras: “Aquilo não é meu, eu não sou aquilo, aquilo não é a minha Ipseidade”. Se disto vos libertais para sempre, se renunciais totalmente às noções do “eu sou Fulano”, “eu sou o agente”, “eu sou”, será “vosso benefício e vossa felicidade” (Samyutta Nikaya III, 34). Buda, qualquer Ipseidade, são os “Nemo”; seria fútil perguntar seu nome.
Em outras palavras, toda coisa, toda individualidade é caracterizada pelo “nome e forma” (nama-rupa = de logos kai he morphe, Aristóteles, Met. VIII, I, 6); o “nome” se aplica aos componentes invisíveis da individualidade; a “forma” ou “corpo” (pois rupa pode ser substituído por kaya) a seus componentes visíveis e sensíveis. O que significa que “o tempo e o espaço são as formas fundamentais de nossa compreensão de tudo o que se modifica; a forma (ou corpo) de toda a coisa está sujeita a desaparecer: seu nome permanece, e por seu some temos ainda uma ligação com ela. É devido a seus nomes”, “a Lei”, “a verdade” que o Desperto sobrevive neste mundo, se bem que ele mesmo, igual ao rio que atinge o oceano, seja liberto do “nome e da forma”: aquele que é “imerso nele” não mais faz parte de nenhuma categoria, não é mais isto ou aquilo, não está mais aqui ou lá (Suttanipata 1074).
Tudo isso não é particularmente budista; é a substância de uma filosofia mundial, para a qual a salvação consiste essencialmente em salvar o homem de si mesmo. Deneget seipsum! Si quis… non odit animam suam, non potest meus discipulus esse!
[AKC-PVB]L. Paul, The Annihilation of Man, 1945, p. 156. ↩