Faz muito tempo, como diremos abaixo, que a filosofia ocidental, dizemos a filosofia «oficial», levada na esteira das ciências positivas, não admite senão duas fontes do Conhecer. Há a percepção sensível, fornecendo os dados que se chamam empíricos. E há os conceitos do entendimento, o mundo das leis regendo estes dados empíricos. Certamente, a fenomenologia modificou e superou esta gnoseologia simplificadora. Mas resta que entre as percepções sensíveis e as intuições ou as categorias do intelecto, o lugar permaneceu vazio. O que deveria ter tido lugar entre umas e outras, e que a princípio ocupava este lugar mediano, a saber a imaginação ativa, foi relegado aos poetas. Que esta imaginação ativa no homem (deveria se dizer Imaginação Agente, como a filosofia medieval falava de inteligência agente) tinha sua função noética ou cognitiva própria, quer dizer que ela nos dá acesso a uma região e realidade do Ser que sem ela nos resta fechada e interditada, é o que uma filosofia científica, racional e razoável, não podia considerar. Era entendido por ela que a imaginação não secreta senão o imaginário, quer dizer o irreal, o mítico, o maravilhosos, a ficção, etc.
Por conta disto, não resta qualquer esperança de encontrar a realidade sui generis de um mundo suprassensível, que não é nem o mundo empírico dos sentidos nem mundo abstrato do intelecto. Também nos parecera, há muito tempo, radicalmente impossível reencontrar a realidade atual, queremos dizer a realidade em ato, própria ao «mundo do Anjo», realidade que está inscrita no Ser mesmo, não um mito dependente de infraestruturas sócio-políticas ou sócio-econômicas. Impossível de penetrar, como se penetra em um mundo real, no universo da angelologia zoroastriana que o primeiro capítulo do presente livro descreve certos aspectos. Diremos o mesmo a respeito das angelofanias da Bíblia. A chave deste mundo como mundo real, que não é nem o mundo sensível nem o mundo abstrato dos conceitos, o buscamos faz tempo, como jovem filósofo. É no Irã mesmo que devemos encontrá-la, nas duas eras do mundo espiritual iraniano. Eis porque as duas partes deste livro estão estreitamente solidárias e interdependentes.
O que caracteriza a posição destes que são chamados os «Platônicos da Pérsia», os Ishraqiyun da linhagem espiritual de Sohravardi, é um esquema dos mundos contrastando radicalmente com o dualismo que acabamos de lembrar. Um contraste devido essencialmente ao fato que sua gnoseologia, estranha a este dualismo, dá lugar, como ao poder mediador necessário, ao poder imaginativo, a esta Imaginação agente que é «imaginadora». Ela é uma faculdade cognitiva de pleno direito. Sua função mediadora é de nos fazer conhecer de pleno direito a região do Ser que, sem esta mediação, permaneceria, região interdita, e cuja desaparição leva a uma catástrofe do Espírito, a qual ainda não medimos as consequências. Ela é essencialmente potência mediana e mediadora, assim como universo ao qual ela é ordenada e ao qual ela dá acesso, é um universo mediano e mediador, um intermundo entre o sensível e o inteligível, intermundo sem o qual a articulação entre o sensível e o inteligível está definitivamente bloqueada. Então os pseudo-dilemas se agitam na sombra, a saída lhes estando fechada.
A Imaginação ativa ou agente não é portanto de modo algum aqui uma ferramente a secretar o imaginário, o irreal, o mítico, a ficção. E eis porque nos era preciso absolutamente encontrar um termo que diferenciasse radicalmente do imaginário o intermundo da imaginação, tal qual se apresenta a nossos metafísicos iranianos. A língua latina veio a nosso socorro, e a expressão mundus imaginalis é o equivalente literal do árabe alam al-mithal, al-alam al-mithali, em português o «mundo imaginal», termo chave sobre o qual hesitamos quando da primeira edição deste livro.1 Um mundo não pode surgir ao Ser e ao Conhecer enquanto não tenha sido nomeado e denominado. Este termo-chave, mundus imaginalis, comanda toda a rede das noções se ordenando ao nível preciso do Ser e do Conhecer que conota: percepção imaginativa, conhecimento imaginativo, consciência imaginativa. Ao passo que constatamos, em outras filosofias ou espiritualidades, um desafio a respeito da Imagem, uma degradação de tudo o que sai à imaginação, o mundus imaginalis dela é aqui de certo modo a exaltação, porque é a articulação na ausência da qual se desloca o esquema dos mundos.
[CETC]