Laços e Nós

Indicações de Antonio Carneiro:


Leonardo da Vinci

Este trabalho de Leonardo, denominado “Nó de Leonardo”, pode ser considerado uma mandala ou diagrama contemplativo. Demonstra a teia múltipla e complexa do universo, que como o labirinto ou o arabesco islâmico, é feita de uma única fiada. Quando desfiada conduz, como o fio de Ariadne, ao coração de nossa natureza. Os quatro nós adicionais nas diagonais, representam as quatro direções e a união de nosso próprio aspecto quaternário, formando uma cruz dinâmica, simbolizando vórtices ascendentes e descendentes (como dois triângulos). a união do céu e da terra no centro de nosso ser.

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René Guénon: LAÇOS E NÓS

Já nos referimos muitas vezes ao simbolismo do fio, que apresenta múltiplos aspectos, mas cuja significação essencial e verdadeiramente metafísica é sempre a representação do sutratma, que, tanto do ponto de vista macrocósmico quanto microcósmico, liga todos os estados de existência entre si e ao seu Princípio. Por outro lado, pouco importa que nas diferentes figurações originadas por esse simbolismo trate-se de um fio propriamente dito, de uma corda ou de uma corrente, ou de um traçado gráfico como o que assinalamos anteriormente,1 ou ainda de um caminho realizado por processos arquitetônicos como no caso dos labirintos,2 caminho este que um ser está sujeito a percorrer de um extremo ao outro para alcançar sua meta. O essencial em todos os casos é que sempre se trata de uma linha que não apresenta qualquer solução de continuidade. O traçado dessa linha pode ser mais ou menos complicado, o que corresponde em geral às modalidades ou às aplicações mais particulares de seu simbolismo geral; assim, o fio ou seu equivalente pode-se dobrar muitas vezes sobre si mesmo de modo a formar entrelaçamentos ou nós. E,na estrutura do conjunto, cada um desses nós representa o ponto em que agem as forças determinantes da condensação e da coesão de um “agregado” que corresponde a um ou outro estado de manifestação, de maneira que se poderia afirmar que é esse nó que mantém o ser no estado considerado e que sua solução provoca imediatamente a morte desse estado. Aliás, é o que exprime de forma muito clara a expressão “nó vital”. Naturalmente, o fato de os nós se referirem a diferentes estados e estarem todos representados ao mesmo tempo e de uma forma permanente no traçado simbólico não deve ser visto como uma objeção ao que acabamos de dizer, pois, além de ser evidentemente imposto pelas condições técnicas da própria figuração, corresponde na realidade ao ponto de vista em que todos os estados são considerados em simultaneidade, ponto de vista este sempre mais primordial que o da sucessão. Podemos observar que, a esse respeito, no simbolismo da tecelagem que estudamos em outra ocasião,3 os pontos de cruzamento dos fios da urdidura e da trama, mediante os quais se forma o tecido como um todo, têm ainda uma significação similar, na medida em que constituem, de algum modo, as “linhas de força” que definem a estrutura do Cosmo.

Num artigo recente,4 Mircea Eliade falou da “ambivalência” do simbolismo dos laços e nós, o que é um ponto que merece ser examinado com alguma atenção. Podemos ver nisso, naturalmente, um caso particular do duplo sentido geralmente inerente aos símbolos, mas é preciso ainda levar em conta aquilo que em particular justifica tal duplo sentido no presente caso.5 Em primeiro lugar, cabe observar a esse respeito que um laço pode ser entendido como o que prende, subjuga, ou como o que une, e, mesmo na linguagem comum, essa palavra tem igualmente as duas significações. Isso corresponde, no simbolismo dos laços, a dois pontos de vista que se poderia dizer inversos entre si. E se, de imediato, o mais aparente desses dois pontos de vista é aquele que tem o laço por um entrave, isso se deve ao fato de corresponder afinal ao ponto de vista do ser manifestado enquanto tal, na medida em que se considera “amarrado” a certas condições especiais de existência e encerrado por elas nos limites do seu estado contingente. Desse ponto de vista, o sentido de nó é como que um reforço do de laço em geral, pois, como dizíamos mais acima, o nó representa mais em particular aquilo que fixa o ser a um estado determinado; e a parte do laço ou da ligadura de que é formado, constitui-se, poderíamos dizer, tudo o que este ser pode ver na medida em que for incapaz de sair dos limites desse mesmo estado, escapando-lhe então necessariamente a conexão que o laço estabelece com os demais estados.


NOTAS:

2 V. (Cap. 29) A Caverna e o Labirinto.
4 Le “Dieu lieur” et le symbolisme des noeuds, na Revue de l’Histoire des Religions, jul.-dez. 1948 (v. nosso comentário na Études Traditionnelles, jul.-ago. 1949).
5 Podemos assinalar em complementação que, nas aplicações rituais e especialmente “mágicas”, corresponde a esse duplo sentido, conforme o caso, um uso “benéfico” ou “maléfico” dos laços e nós. Mas, o que nos interessa aqui é o princípio desta ambivalência, fora qualquer outra aplicação particular que não passa sempre de uma simples derivação. O próprio sr. Eliade insistiu, aliás com razão, sobre a insuficiência das interpretações “mágicas” às quais alguns querem limitar-se, por completo desconhecimento do sentido profundo dos símbolos, que, tal como ocorre no caso das interpretações “sociológicas”, provoca uma espécie de inversão das relações entre o princípio e suas aplicações contingentes.

Perenialistas – Referências