espaço sagrado

Esses poucos exemplos mostram-nos os diferentes meios pelos quais o homem religioso recebe a revelação de um lugar sagrado. Em cada um desses casos, as hierofanias anularam a homogeneidade do espaço e revelaram um “ponto fixo”. Mas, visto que o homem religioso só consegue viver numa atmosfera impregnada do sagrado, é preciso que tenhamos em conta uma quantidade de técnicas destinadas a consagrarem-lhe o espaço. Como vimos, o sagrado é o real por excelência, ao mesmo tempo poder, eficiência, fonte de vida e fecundidade. O desejo do homem religioso de viver no sagrado equivale, de fato, ao seu desejo de se situar na realidade objetiva, de não-se deixar paralisar pela relatividade sem fim das experiências puramente subjetivas, de viver num mundo real e eficiente – e não numa ilusão. Esse comportamento verifica-se em todos os planos da sua existência, mas é evidente no desejo do homem religioso de mover-se unicamente num mundo santificado, quer dizer, num espaço sagrado. É por essa razão que-se elaboraram técnicas de orientação, que são, propriamente falando, técnicas de construção do espaço sagrado. Mas não devemos acreditar que-se trata de um trabalho humano, que é graças ao seu esforço que o homem consegue consagrar um espaço. Na realidade, o ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado é eficiente à medida que ele reproduz a obra dos deuses. A fim de compreendermos melhor a necessidade de construir ritualmente o espaço sagrado, é preciso insistir um pouco na concepção tradicional do “mundo”: então logo nos daremos conta de que o “mundo” todo é, para o homem religioso, um “mundo sagrado”. [Eliade]


Se para o homem arcaico a vida no mundo tem um valor religioso, isso resulta de uma experiência específica do que se pode chamar “espaço sagrado”. De fato, para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, algumas partes dele são qualitativamente diferentes. Há um espaço sagrado e daí, forte e significante; e há outros espaços que não são sagrados e, consequentemente, são sem estrutura, forma e significado. Isso não é tudo. Para o homem religioso, essa heterogeneidade espacial se expressa na experiência de uma oposição entre espaço sagrado – o único real e realmente existente – e todos os outros espaços, expansão amorfa circundando o sagrado. A experiência religiosa da heterogeneidade do espaço é uma experiência primordial, comparável à descoberta do mundo. Isso porque é essa divisão espacial que permite a constituição do mundo, uma vez que revela o ponto fixo, o eixo central para toda orientação futura. Quando o sagrado se manifesta em qualquer hierofania, há não apenas uma ruptura na homogeneidade do espaço; há também a revelação de uma realidade absoluta, oposta à irrealidade do vasto espaço circundante. A manifestação do sagrado cria o mundo ontologicamente. Na expansão homogênea e infinita, na qual é impossível haver um ponto de referência, de onde se possa estabelecer alguma orientação, a hierofania revela um ponto fixo absoluto, um centro.

Daí ser claro o valor existencial da descoberta – ou seja, da revelação – de um espaço sagrado para o homem religioso; porque nada pode começar, nada pode ser feito, sem uma orientação prévia – e qualquer orientação subentende a aquisição de um centro. É por essa razão que o homem religioso sempre procura fixar sua residência no “centro do mundo”. Se o mundo é para ser vivido, deve ser fundamentado – e nenhum mundo pode surgir do caos da homogeneidade e relatividade do espaço profano. A descoberta ou projeção de um ponto fixo – o centro – equivale à criação do mundo. A orientação dada pelo ritual e a construção do espaço sagrado têm um valor cosmogônico; porque o ritual, através do qual o homem constrói um espaço sagrado, vale na medida em que reproduz o trabalho dos deuses, ou seja, a cosmogonia. [Eliade]

Mircea Eliade