Artha, a primeira meta, refere-se às posses materiais. As artes que servem a esse propósito são as da economia e da política, as técnicas de sobrevivência usadas na luta pela vida contra a inveja e a competição, a calúnia e a chantagem, a ameaçadora tirania dos déspotas e a violência de inescrupulosos vizinhos. Literalmente, a palavra artha significa “coisa, objeto, substancia” e compreende todo o conjunto dos objetos materiais passíveis de serem possuídos, desfrutados e perdidos, e dos quais precisamos no viver cotidiano para manter uma casa, sustentar uma família e cumprir com os deveres religiosos, ou seja, para realizar virtuosamente as obrigações da vida. Os objetos também são fonte de gozo sensual, prazer dos sentidos e satisfação das exigências legítimas da natureza humana: o amor, as belas obras de arte, as flores, as joias, as roupas bonitas, a moradia confortável e os prazeres da mesa. A palavra artha conota, desta maneira, “a obtenção de riquezas e prosperidade, vantagem, lucro e fortuna mundanas”, e ainda “resultado”; na vida comercial: “assuntos de negocio, trabalho, preço”; e no direito: “demanda, ação, petição”. No que se refere ao mundo exterior, artha — em sua acepção mais ampla — significa “aquilo que pode ser percebido, um objeto dos sentidos”; no que diz respeito ao mundo interior da psique: “fim e objetivo, propósito, objeto, querer, desejo, motivo, causa, razão, interesse, uso, necessidade e preocupação”; como último termo de um composto, -artha pode exprimir: “pela causa de, em nome de, para, a fim de”. Assim, esta palavra reúne os significados de: 1) o objeto da busca humana; 2) os meios para tal busca; 3) as necessidades e os desejos sugeridos por essa mesma busca.
Na Índia, há uma literatura específica sobre este assunto, onde a área de investigação é restringida ao campo exclusivo da política: a política do indivíduo em sua vida cotidiana e a política de obter, exercer e conservar o poder e a riqueza como rei. Esta arte é ilustrada por fábulas, o veículo mais notável para a apresentação de uma filosofia realista da vida. As histórias do mundo animal -narradas nestas fábulas — revelam a cruel ciência do sobreviver, uma fria arte de prosperar face aos constantes perigos encontrados na luta pela vida e pela supremacia travada — aberta ou clandestinamente — entre os seres. Como todas as doutrinas indianas, é altamente especializada e tem por fim ensinar uma arte. Não está cerceada ou alterada em seus fundamentos por pudores morais; as técnicas são apresentadas quimicamente puras. Os textos são secos, incisivos, inclementes e cínicos, refletindo no plano humano as leis desapiedadas do conflito animal. Os seres se devorando mutuamente e prosperando às custas dos outros inspiraram o pensamento dos autores. Os princípios básicos são aqueles do fundo do mar, daí a doutrina ser chamada Matsya-nyaya, “o princípio ou lei (nyaya) dos peixes (matsya)”, ou seja: “os peixes grandes comem os pequenos”. Este ensinamento também é conhecido por Arthasastra, “O autorizado manual (sastra) da ciência da riqueza (artha)”, onde se encontram todas as leis da política, economia, diplomacia e guerra, leis que remontam ao início dos tempos.
A literatura sobre esse assunto compreende assim, por um lado, fábulas de animais, por outro, tratados sistemáticos e aforísticos. Dentre as primeiras, os dois textos mais conhecidos são o Pancatantra, “Os cinco (pança) teares ou urdiduras (tantra)”, ou seja, “Os cinco tratados”, e o Hitopadesa, “Instrução (upadesa) naquilo que é vantajoso e benéfico (hita)”. Dos tratados sistemáticos, o mais importante, sem dúvida, é uma obra enciclopédica conhecida como Kautiliya Arthasastra, nome derivado do autor atribuído pela tradição, Canakya Kautilya, legendário chanceler de Candragupta, o Maurya, que floresceu no final do século IV a.C. Quando Alexandre Magno incursionou pelo nordeste da Índia em 326 a.C, as províncias desta região eram governadas pela dinastia Nanda; cerca de cinco anos após esta incursão, Candragupta, cujo pai pode ter sido um nanda mas cuja mãe era de origem inferior, destruiu esta casa real e fundou o império dos mauryas, um dos mais poderosos da história da Índia. O manual de política, atribuído ao sábio e astuto brâmane que se supõe tê-lo aconselhado e ajudado em seu empreendimento, apresenta um quadro vivaz, amplo e detalhado dos estilos e técnicas hindus de governo, estatística, guerra e vida pública na época em questão. Um tratado bem mais breve, chamado Barhaspatya Arthasastra, é uma densa coleção de aforismos que supostamente foi revelada pela divindade Brhaspati, chanceler mítico, sacerdote da realeza e principal conselheiro de Indra — rei dos deuses — em política terrena. Outro sumário é o Nitisara de Kamandaki, “O extrato, sumo ou essência (sara) do governo ou conduta adequada (niti)”. Esta é uma obra bem posterior à de Kautilya, composta em versos didáticos, por vezes encantadores, cujo fito é conter o extrato ou a essência da compilação anterior. Elementos valiosos também aparecem em muitos dos diálogos, relatos e fábulas didáticas da grande epopeia nacional, o Mahabharata: são pequenos trechos e fragmentos de tratados hoje perdidos, cuja origem remonta à época feudal da Índia, nos séculos VIII e VII a.C. Além destas temos algumas obras menores, que às vezes modificam a ciência para atender, de certo modo, às exigências da ética e da religião.
Pode-se extrair dessas fontes uma filosofia prática de vida, filosofia vigorosa, talentosa e absolutamente realista, bem como uma teoria de diplomacia e de governo que é certamente comparável à arte política de Maquiavel e Hobbes. O Arthasastra é semelhante também à República e Leis de Platão e, ainda, à Política de Aristóteles. [Zimmer]