Esses resumos da psicologia platônica e neoplatônica introduzem o problema do Fado e do Livre Arbítrio, fundamental no presente contexto, no qual estamos considerando uma ciência disposicional para a Libertação no sentido mais pleno e completo da palavra. Dificilmente existe uma doutrina da Philosophia Perennis que tenha sido mais incompreendida e, consequentemente, mais abominada do que a do Fado; abominada porque o Fado (implícito na noção de Providência) foi assumido como sendo, por assim dizer, um decreto arbitrário imposto a nós por uma divindade extremamente pessoal — que também é hoje referida pelo novo nome de “determinação econômica”. A doutrina ortodoxa tradicional é um reconhecimento da cadeia causal pela qual todos os eventos estão ligados na sucessão fenomenal, mas um reconhecimento de sua operação intrínseca e não extrínseca. Pode-se afirmar, nas palavras de São Tomás de Aquino, que ” Fado está nas próprias causas criadas (ou seja, mediatas)” (Summa Theologica I.116.2), ou nas de Rumi, que “O esforço não é uma luta contra o destino, já que o próprio destino colocou esse esforço em nós” (Mathnawi I.976 ); “Fingir estar desamparado é dormir entre ladrões” (Mathnawi I.943); “Você tem pés; por que, então, finge ser coxo” (Mathnawi I.930). Da mesma forma, no budismo, onde a operação infalível das causas é insistida pelo menos tão vigorosamente quanto em São Tomás (“não-causação” (ahetuvada) sendo uma heresia), é ensinado, não menos vigorosamente, que há um “deve ser feito” (kiriya) e que a necessidade causal aduzida não absolve um homem da responsabilidade de fazer uma escolha entre o deve ser feito e o não deve ser feito; e o fato de que tal escolha pode ser feita é uma pregação do Livre Arbítrio. A doutrina tradicional é uma doutrina do Fado e do Livre-arbítrio, e assim deve ser, precisamente porque há “dois em nós”, um fatalmente determinado e o outro livre. Desses dois, ter se tornado o que somos é ter se elevado acima de nosso Fado. A cadeia do Fado nunca pode ser quebrada, mas podemos romper com ela para nos tornarmos seus espectadores e não mais suas vítimas.
A concepção tradicional de Fado não implica em nenhum conceito de uma possível injustiça. Heimarmene ou moira é literalmente uma “designação”: o significado essencial da √ mer, presente no latim mereo e no inglês “merit”, é simplesmente “receber a porção de alguém, com a noção colateral de ser o próprio débito” (H. G. Liddell e R. Scott, A Greek-English Lexicon, 8ª ed., Oxford, 1897). Moira às vezes é simplesmente “herança”, e ser amoiros é ser privado da porção devida, geralmente de algo bom e, nesse caso, da “vida”; kata moiran é o mesmo que kata physin, “naturalmente” ou “apropriadamente”: lutar contra nosso Fado é lutar contra nossa própria natureza e desejar que nunca tivéssemos nascido. Pois de que outra forma poderíamos ter nascido, exceto em um determinado momento e lugar, e com determinadas possibilidades ou “dons”? Nosso Fado é apenas “o que está vindo para nós” e “o que pedimos”; “não há portas especiais para a calamidade e a felicidade; elas vêm quando os próprios homens as convocam” (Thai-Shang, Sacred Books of the East, XL, 235). “Nada, seja bom ou ruim, que tenha a ver com o corpo, pode acontecer sem o Destino (heimarmene). Portanto, está ‘destinado’ que aquele que fez o mal sofra o mal; de fato, com esse propósito ele o faz, para que possa sofrer a punição por tê-lo feito….. E todos os homens sofrem o que o Destino lhes designou, mas os homens racionais (aqueles de quem eu disse que são guiados pela Mente) não sofrem da mesma forma que os homens irracionais….. Para a Mente nada é impossível, nem exaltar a alma do homem acima do Destino, nem, se, como às vezes acontece, a alma não presta atenção, submetê-la ao Destino” (Hermes, Lib. XII.1.5, cf. X.19, bem como Platão, Fédon 83A, Maitri Upanishad III.2).