Coomaraswamy (Meta) – Pneumatologia

Ecce quomodo in cognitione sensitiva continatur occulte divina sapientia, et quam mira est contemplatio quinque sensuum spiritualium conformitatem ad sensus corporales. São Boaventura, De reductione artium ad theologiam 10.1
Ostis au soma therapeuei, ta eautou all ouch auton therapeuei.2 Platão I Alcibíades 131B

SOBRE A PSICOLOGIA TRADICIONAL E INDIANA, OU MELHOR PNEUMATOLOGIA

Como observa Jadunath Sinha, no único trabalho abrangente sobre psicologia indiana (bhuta-vidya), “Não existe psicologia empírica na Índia. A psicologia indiana é baseada na metafísica”3. A explicação para isso é que “todos os sistemas indianos de filosofia são, ao mesmo tempo, doutrinas de salvação”4. Em outras palavras, os filósofos indianos não estão interessados em fatos, ou melhor, em probabilidades estatísticas, por si só, mas principalmente em uma verdade libertadora5. A psicologia tradicional e sagrada assume como certo que a vida (bhava – gênese) é um meio para um fim além de si mesma, não que deva ser vivida a todo custo. A psicologia tradicional não se baseia na observação; é uma ciência da experiência subjetiva. Sua verdade não é do tipo suscetível de demonstração estatística; é uma verdade que só pode ser verificada pelo especialista contemplativo6. Em outras palavras, sua verdade só pode ser verificada por aqueles que adotam o procedimento prescrito por seus proponentes e que é chamado de “Caminho”. Nesse aspecto, ela se assemelha à verdade dos fatos, mas com a diferença de que o Caminho deve ser seguido por cada indivíduo por si mesmo; não pode haver “prova” pública. Por comprovação, é claro, queremos dizer investigação, certificação e experiência, e não apenas persuasão, como pode resultar de um entendimento meramente lógico. Por essa mesma razão, não pode haver “propaganda” da ciência sagrada. Nossa única tarefa no presente artigo será expô-la. Essencialmente, a ciência sagrada é uma ciência de qualidades, e a ciência profana é uma ciência de quantidades. Entre essas ciências não pode haver conflito, mas apenas uma diferença, não importa quão grande seja. Essa diferença dificilmente pode ser melhor descrita do que nas palavras de Platão citadas acima, ou naquelas do Kaushitak Upanishad III.8, “Não é a ação (karma) que deve ser tentada para ser compreendida, é o Agente que deve ser conhecido. Não é o prazer e a dor que se deve tentar entender, é o Discriminador deles que se deve conhecer”, e assim por diante para os outros fatores da experiência. Tomamos muito cuidado para não dizer “de nossa experiência”, pois não se pode presumir com segurança que somos o Agente e o Discriminador, nem se pode argumentar com segurança que cogito ergo sum.


  1. “Contemplem como a Sabedoria Divina está secretamente contida na percepção dos sentidos, e como é maravilhosa a contemplação dos cinco sentidos espirituais em sua conformidade com os sentidos corporais”. Continatur occulte = guha nihitam sentidos espirituais = jnanendriyani sentidos corporais = karmendriyani.  

  2. “Aquele que serve ao corpo, serve ao que é seu, não ao que ele é”. Da mesma forma, “Aquele que conhece apenas o corpo, conhece o que é do homem, mas não o próprio homem”. 

  3. Jadunath Sinha, Indian Psychology: Perception (Londres, 1934), p. 16. Veja também C.A.F. Rhys Davids, Bhuddist Psychology (Londres, 1914); T. Stcherbatsky, The Central Conception of Buddhism and the Meaning of the Word “Dharma” (Londres, 1923); e R. N. Dandekar, Der vedische Mench (Heidelberg, 1938) (especialmente pp. 21-24). O livro de Rhys Davids é muito informativo, mas deve ser lido com certa cautela, pois foi escrito “na ignorância da disposição da nomenclatura atual que os Nikayas utilizam” (p. 18). Talvez, por essa razão, o autor veja uma contradição entre a doutrina upanishádica do “atman”, como o “vidente sozinho”, etc., e o pronunciamento budista de que a pergunta “Quem vê?” não pode ser feita apropriadamente; pois ele não percebe que a pergunta é imprópria precisamente porque o “vidente sozinho” nunca se torna alguém e não é “quem” ou “o quê”. Vista sob essa luz, a oposição entre o “realismo” bramânico e o “nominalismo” budista perde toda a sua força (cf. nota 51). 

  4. T. Stcherbatsky, Buddhist Logic (Leningrado, 1932), p. 195. De la misma manera, la filosofía de Platón es una moral — Bildung en vez de Wissenschaft no «mera» teoría, sino también un modo de vida (cf. Fedón 64 sig.; vide Platão e seus seguidores), una marga = ikneusis, como, por ejemplo, en Fedro 253A. 

  5. Cf. Franklin Edgerton, «The Upanishad: What Do They Seek and Why?», Journal of the American Oriental Society, XLIX (1929), p. 102.  

  6. Cf. Platón, Fédon 65BC: «el Alma alcanza la Verdad… mejor cuando ninguna de estas cosas, ni oído ni vista, ni dolor ni placer la perturban, y cuando ella está, en la medida de lo posible, completamente sola consigo misma (aute kath auten gignetai)». Nótese que «completamente solo consigo mismo» no es una frase para tomar a la ligera, bien sea en inglés o en español o en griego; ella implica la distinción de los dos sí mismos, y el compañerazgo del sí mismo con el Sí mismo, ese «otro que jamás se esconde» y a quien si uno recurre «jamás está solo» (Bradaranyaka Upanishad II.1.11); cf. Manava Dharmashastra VI.49, atmanaiva sahayena y Anguttara Nikaya V.90, kalyana… sahaya. 

Ananda Coomaraswamy