Corbin (Sadra) – essência e quididade

Por outro lado, no grande debate que preenche dois terços do livro [CorbinSadra], Mollâ Sadrâ nunca usa um termo que etimologicamente seria a contraparte da palavra essência, mas sempre usa a palavra mâbîyat, quididade (as quidditas de nossos escolásticos latinos), ou seja, o que é respondido quando, sobre uma coisa, se pergunta quid est? (ma bowa?), o que é? (Há também o termo dhat; dhâtîyât, a essentialia.) Portanto, aqui não teremos uma dificuldade do tipo que resulta, em francês, da evolução da palavra essência. O latim essentia traduz fielmente o grego ousia; no bom francês clássico, essência significa, antes de tudo, l’être, ou seja, o real em si, o que é; isso é perfeitamente coerente com o uso do termo ousia entre os gregos, já que Platão o utiliza para designar a ideia, assim como Aristóteles o faz para designar a substância (E. Gilson, ibid., p. 18). Desse ponto de vista, o equivalente árabe seria haqiqat, uma palavra com múltiplos significados (mas que não deriva de wojûd): é a verdade que é real, a realidade que é verdadeira, a Verdadeira Realidade; pode ser a essência, a ideia ou até mesmo a gnose (na metafísica teosófica do ismaelismo). No presente tratado de Mollâ Sadrâ (cf. v. g. § 16 e segs.), o haqîqat de uma coisa é seu próprio ato de ser, de existir in concreto. Não poderíamos traduzir isso por essência, pois, no francês atual, quando falamos da essência de uma coisa, estamos nos referindo não ao seu ato de existir, mas ao que faz uma coisa ser o que é, um carvalho, por exemplo, e não um sapo. Em francês, a palavra étant deveria ter correspondido a étance (como a ens à palavra essentia), e não é coincidência o fato de não ter sido formada. Tudo acontece”, escreve E. Gilson, “como se o intelecto tivesse buscado em essentia o meio de dissociar o ser do próprio fato de que ele existe, pois se a essência da coisa é realmente o que é essencial nela, é notável que essa essência permaneça a mesma, quer a coisa exista ou não” (ibid. p. 19). Temos a impressão de que é precisamente contra esse tipo de dissociação que toda a metafísica de Mollâ Sadrâ se rebela.

Henry Corbin (1903-1978), Molla Sadra