O Deus que cria o mundo e o governa é naturalmente conhecido pela contemplação da ordem do mundo. Mas será que o Deus que transcende o mundo, que não apenas não criou o mundo porque o mundo é matéria, mas que está totalmente afastado do mundo e, de certa forma, se opõe a ele, ainda pode ser conhecido e, em caso afirmativo, de que maneira? Esse é o problema levantado por esta obra, que conclui nosso estudo da filosofia religiosa durante o Império. Ela está dividida em duas partes.
A primeira parte trata do problema da incognoscibilidade de Deus. Tentei mostrar nesse ponto que a noção do θεός άγνωστος, pelo menos na gnose pagã, não vem do Oriente, mas resulta de tradições platônicas e pitagóricas que podem ser rastreadas até a Academia Antiga.
Ao Deus άγνωστος, ou seja, ao Deus incognoscível segundo os modos normais de conhecer, corresponde um modo particular de conhecimento que é propriamente gnose. Basta pronunciar essa palavra para evocar um número imenso de problemas, uma série de hipóteses mal digeridas nas quais a fantasia tem mais participação do que o senso crítico. Felizmente, meu assunto foi limitado antecipadamente pelo grupo de textos que eu tinha em mente, ou seja, os textos herméticos. Uma vez que tinha certeza de minha base, que é a posição de certos platonistas no segundo século de nossa era (cap. vi), fui levado por uma longa familiaridade com o Hermetismo a distinguir dois modos de conhecimento místico, que, para simplificar, chamei de “misticismo por extroversão” e “misticismo por introversão”1. Enquanto o objetivo, unir-se a um Deus transcendente, permanece idêntico em ambos os lados, os meios apresentam duas abordagens que não são contraditórias2, mas divergentes. Em uma delas, o homem sai de si mesmo para se unir a um Deus (Aion) que é a totalidade do Ser no espaço e no tempo: ele se perde em Deus. Na outra, é Deus quem invade o eu humano e o transforma em um ser novo e “regenerado”. Essa divisão não pretende esgotar o problema do misticismo pagão: distingue dois aspectos essenciais, que são mais específicos do hermetismo.
Esses termos (extroversão e introversão) são usados na linguagem filosófica para designar atitudes da mente ou do caráter, cf. A. Lalande, Vocabulaire… de la Philosophie (5ª edição, Paris, 1947), pp. 319, 520. Pareceu-me que eles poderiam ser transpostos para o campo do misticismo. ↩
Nós as vemos associadas no mesmo tratado C. H. XIII. H. XIII. Assim que Tat é preenchido com os Poderes divinos (introversão), seu ser se expande para as dimensões do Aion (extraversão), XIII 11. ↩