Verso 2
Além da pessoa que toma alguma entidade insciente como seu Si, quem tentaria negar ou estabelecer a existência do Deus Todo-Poderoso eternamente existente, que tem o poder independente de fazer e saber, e é, de fato, o próprio Si (real)?
Comentário
A autoridade perfeitamente independente em todo fazer e saber é a Divindade. A autoridade repousa naquela Consciência infinita e pura que brilha como o Si de todo e qualquer ser e possui a capacidade de fazer e conhecer. Portanto, o verdadeiro Si de cada ser não é outro senão Deus. Nenhuma pessoa sábia, tomando a Consciência pura como seu Si, negaria, portanto, a existência de Deus, porque a Consciência é eternamente estabelecida por si mesma. As aparentes limitações impostas a um ser humano por seus corpos grosseiros e sutis — ou seja, por sua forma física e mente finitas — desaparecem assim que percebe a natureza real de seu Si básico por meio de uma observação interna aguçada e firme, auxiliada por uma consciência aguçada e supervigilante.
Os pensadores que tomam quaisquer substâncias insensíveis, como o corpo físico ou o sistema de animação e respiração ou o sentido interno de compreensão ou mesmo o vazio do sono sem sonhos ou qualquer outra coisa que possa se assemelhar a qualquer uma dessas entidades como seu verdadeiro Si, podem tentar refutar ou provar a existência de Deus. Mas aqueles que experimentam apenas a Consciência pura como seu Si essencialmente real nunca se entregariam a nenhum desses dois exercícios intelectuais.
Os pensadores que são completamente ateus em suas visões e negam a existência de Deus e de Ātman, o Si, consideram apenas o corpo físico como seu Si. Os pensadores semi-ateístas, incluindo muitos budistas e sāmkhyas, também negam a existência de Deus como o controlador supremo da existência fenomênica. Pensadores como os Nyāya-Vaiśeṣikas consideram Deus como uma autoridade que trabalha sob as leis do destino e da restrição (niyati), cuja ação depende do movimento dos átomos de acordo com as leis da causalidade. Não aceitam Deus como uma autoridade absolutamente independente e o único Mestre de todos os fenômenos. Também proclamam que o estado mais elevado de realização é uma Consciência do Eu absolutamente tranquila e inativa, desprovida de todas as atividades e funções mentais, e consideram essa condição como o estado mais elevado do Si. Da mesma forma, os Vedāntins Advaita não admitem a atividade ou o poder de “fazer” como a natureza do Atman, o Si consciente. Esses pensadores frequentemente tentam de várias maneiras, por meio de métodos filosóficos, estabelecer a existência de Deus.
Os defensores do monismo xivaíta, entretanto, enfatizando a realização intuitiva, bem como o pensamento filosófico, não tentam negar nem estabelecer a existência de Deus. Tomando a Consciência mais fina, pura e potente como seu Si e experimentando-a como a Realidade todo-poderosa, não podem negar sua existência eterna. Vendo-a já estabelecida eternamente, em virtude de ser a Consciência sempre autoconsciente e infinita, não sentem nenhuma necessidade de restabelecer a existência de Deus por meio do uso de argumentos lógicos.
O que, então, resta a ser proposto por meio desse novo tratado filosófico sobre o Xivaísmo? Essa pergunta é respondida no verso a seguir.