Kama, a segunda das quatro metas da vida, é o prazer e o amor. Na mitologia indiana, Kama é equivalente a Cupido. É o deus hindu do amor que, com seu flóreo arco e as cinco flores por flechas, envia desejos que fazem o coração estremecer. Kama é o desejo encarnado e, como tal, mestre e senhor da Terra, bem como das esferas celestiais inferiores.
O principal texto clássico dos ensinamentos sobre kama que chegou até nós é o célebre Kamasutra, de Vatsyayana. Esta obra deu à Índia uma ambígua reputação de sensualidade, bastante enganadora, pois o tema erótico é apresentado num plano totalmente técnico e secularizado, algo assim como um manual para amantes e cortesãs. A atitude dominante dos indianos, na verdade, é austera, casta e extremamente recatada, marcada por uma ênfase nas atividades puramente espirituais e por uma absorção nas experiências místicas e religiosas. O ensinamento de kama surgiu para corrigir e evitar a frustração na vida conjugai, que deve ter sido muito frequente quando os casamentos por conveniência eram uma regra e os enlaces por amor constituíam uma exceção. Através dos séculos, o casamento tornara-se mais e mais um assunto de família. Os jovens noivos tinham seu destino determinado por horóscopos levantados por astrólogos, conforme os quais se realizariam as negociações de natureza econômica e social entre os chefes de família. Sem dúvida havia muitos lares onde imperava a tristeza e o tédio, e onde um pouco de estudo da ciência das cortesãs poderia ser de grande utilidade. Este compêndio das técnicas de ajustamento e de estimulação foi coligido para uma sociedade de emoções frias, não para homens libertinos.
Embora a literatura sobre kama, que chegou até nós, seja excessivamente técnica, pode-se no entanto obter algumas ideias fundamentais a respeito da atitude recíproca dos sexos, algumas noções indianas sobre a psicologia do amor, uma análise dos sentimentos e das formas de expressar as emoções, bem como uma concepção da finalidade e âmbito próprios do amor. Entretanto, melhor que o Kamasutra para este propósito é um outro grupo de compêndios tratando das várias artes do prazer, os manuais de poética e representação, chamados Natyasastra, que resumem para os profissionais as técnicas da dança, da pantomima, do canto e da arte dramática. Apresentam e discutem os modelos de herói e heroína hindus, suas características psicológicas e a sucessão de sentimentos que experimentam em diferentes situações típicas. Estes textos refletem o conhecimento de uma profunda psicologia das emoções, comparável à tipologia e à intricada textura das emoções e reações humanas desenvolvidas no Ocidente na ópera italiana e na tragédia francesa dos séculos XVII e XVIII. Essas obras evocam em nossa memória os ensaios e aforismos daqueles literatos psicólogos da França, como La Bruyère, La Rochefoucauld, Chamfort e Vauvenargues, que renovaram a tradição grega de Teofrasto que, por sua vez, se inspirou na arte teatral grega. [Zimmer]