O esoterista vê as coisas não como surgem, segundo determinada perspectiva, mas como são: considera o que é essencial e, portanto, invariável sob o véu de diversas formulações religiosas, tendo necessariamente como ponto de partida uma determinada formulação. Temos aí pelo menos a posição de princípio e a razão de ser do esoterismo; é realmente necessário que ele seja de fato sempre consequente consigo mesmo, visto que as soluções intermediárias são humanamente inevitáveis.
Tudo aquilo que em metafísica ou em espiritualidade é universalmente verdadeiro torna-se “esotérico” na medida em que isto não combina, ou parece não combinar, com tal sistema formalista, mais precisamente com tal “exoterismo”. Mas toda verdade deve ser citada em qualquer religião, já que toda religião é constituída pela verdade. Isto significa que o esoterismo é possível e mesmo necessário; a questão toda é saber em que nível e em que contexto ele se manifesta, pois a verdade relativa e limitativa tem os seus direitos, assim como a verdade total. Ela os tem sob o aspecto preciso, que é propiciado pela natureza das coisas e que é o da oportunidade psicológica ou moral e do equilíbrio tradicional.
O paradoxo do esoterismo é que, por um lado, “ninguém oculta a verdade” e, por outro, “não se deve dar aos cães o que é sagrado”; entre as duas imagens situa-se a “luz que brilha nas trevas, mas que as trevas não compreenderam”. Existem aí flutuações que ninguém pode evitar e é o que se paga pela contingência.
O exoterismo é coisa precária em virtude dos seus limites ou exclusões; há um momento na história em que todas as espécies de experiências o obrigam a atenuar as suas reivindicações de exclusividade e, nesse caso, ele é forçado a uma escolha: livrar-se dessas limitações, seja por cima, pelo esoterismo, seja por baixo, por um liberalismo mundano e suicida. Como seria de se esperar, o exoterismo civilizacionista do Ocidente escolheu por baixo, combinando-o eventualmente com algumas noções esotéricas que, nestas condições, ficam inoperantes.
O homem que perdeu a graça divina, portanto o homem comum, é como que envenenado pelo elemento passional de maneira rude ou sutil; daí resultando uma obscuração do Intelecto e a necessidade de uma Revelação oriunda do exterior. Retirem o elemento passional da alma e da inteligência — retirem “a ferrugem do espelho” ou do “coração” — e o Intelecto ficará liberto; ele revelará, do interior, o que a religião revela do exterior. Mas isto é importante: para poder fazer-se entender por almas impregnadas de paixão, a própria religião deve adotar uma linguagem, por assim dizer, passional, donde o pragmatismo que exclui e o moralismo que esquematiza. Se o homem comum ou o homem coletivo não fosse passional, a Revelação usaria a linguagem do Intelecto e não haveria mais nenhum exoterismo, aliás nem esoterismo como complemento oculto. Existem três possibilidades: na primeira, os homens dominam o elemento passional, cada um vive espiritualmente de sua Revelação interior; é a idade de ouro, quando cada um nasce iniciado. Segunda possibilidade: os homens são afetados pelo elemento passional a ponto de esquecer determinados aspectos da Verdade, de onde a necessidade — ou a oportunidade — de Revelações externas, mas de espírito metafísico, tais como os Upanishads. Terceira: a maioria dos homens são dominados pelas paixões, de onde as religiões formalistas, exclusivas e combativas, que lhes comunicam, por um lado, o meio de canalizar o elemento passional tendo em vista a salvação e, por outro, o meio de vencê-lo, tendo por objetivo a Verdade total, e de superar dessa forma o formalismo religioso que encobre essa Verdade, sugerindo-a indiretamente. A Revelação religiosa é ao mesmo tempo um véu de luz e uma luz velada.