Schuon (EPV) – Problema do Mal

Quando Deus parece fazer o que, da parte do homem, seria um mal, Ele o compensa com um bem maior, um pouco como a cura compensa o amargor do remédio; isso resulta, necessariamente, do fato de Deus ser o Bem absoluto e, em consequência, de Ele comportar em sua natureza uma qualidade compensadora que exclui o mal como tal. O homem, não sendo o Ser necessário, é por definição contingente e, sendo contingente, não pode beneficiar-se com a natureza compensatória que resulta da Absolutez ou da Infinidade. O mal que o homem faz não é uma virtualidade do bem; é um mal puro e simples, porque o agente humano é fragmento e não-totalidade, acidente e não-substância.

Poderíamos também dizer que o Criador tem essencialmente direito — em nome de sua natureza única e inimitável — a uma visão separativa e descendente das unidades. Isso porque essa visão não se afasta do Sujeito divino, pois Deus é Unidade e Totalidade, tudo se encontra n’Ele; portanto, Ele não pode pecar afastando-se d’Ele próprio, como faz o homem, cuja existência se limita a uma individualidade e cujo ato afeta outras existências além da sua própria. O homem, que deve contemplar Deus em seu coração, não pode ter a priori direito à visão separativa, descendente e criadora, pois essa visão o afasta dele próprio e o separa de Deus. Mas a visão separativa uma vez adquirida — em nome de uma Providência paradoxal — o homem deve subordinar suas obras à inspiração divina.

O homem não pode ser livre senão em Deus e por Deus, pois não tem, como Deus, o seu centro nele mesmo, exceto em sentido relativo e por participação indireta, sem o que não seria homem. Portanto, há um ponto no homem em que este deve renunciar livremente à própria liberdade. Sendo deiforme, ele deve ao mesmo tempo reconhecer que não é Deus e reconhecê-lo com base na sua deiformidade, isto é, em virtude de sua inteligência total; portanto, capaz de objetividade.


Exotéricamente falando, Deus “permite” o mal tendo em vista um bem maior, o que é incontestável mas não-suficiente, pois um Deus “onipotente” poderia a priori tornar inútil essa necessidade de permitir o mal, justamente abolindo o mal. A solução esotérica é de natureza bem diferente. Isto significa que, do ponto de vista da Subjetividade divina, a Vontade que quer o mal não é a mesma que quer o bem; do ponto de vista do objeto cósmico, Deus não quer o mal como mal. Ele o quer como elemento constitutivo de um bem; portanto, como bem. Por outro lado, o mal nunca é assim por sua substância existencial, por definição desejada por Deus; ele só é pelo acidente cósmico da privação do bem, desejado por Deus como o elemento indireto de um bem maior. Se nos censuram por introduzir em Deus uma dualidade, admitimos sem hesitação — mas não como censura —, como admitimos todas as diferenciações na Divindade, quer se trate de graus hipostáticos de qualidades ou energias. A própria existência do politeísmo nos dá razão, excetuando-se o aspecto eventual de desvio e de paganização.

Em todo caso, convém distinguir a Vontade divina em relação à existência, e a Vontade divina em relação ao homem, que é inteligência e vontade. Do primeiro ponto de vista, tudo o que existe ou acontece é desejado por Deus; do segundo, apenas a verdade e o bem são divinamente desejados.

Quanto à Onipotência, observaremos uma vez mais que ela abrange tudo o que se situa na ordem das contingências como tais, mas não o que depende do jogo dos princípios enraizados na terra divina, diretamente ou como consequência. Deus não pode ter o poder de ser outro senão Ele, nem de fazer com que o ontologicamente absurdo seja possível.

Frithjof Schuon