O décimo oitavo Arcano do Tarô é o Arcano da dupla corrente, que Henri Bergson designou como ” inteligência-matéria ” ou ” intelectualidade materialista”, contrária à dupla corrente “duração-espírito” ou “intuição-consciência”. Porque a corrente “intelectualidade-materialidade”, que Bergson sublinhou mais do que qualquer outro pensador, é precisamente o “agente do decrescimento” ou o “princípio do eclipse” sugerido pela contextura da lâmina do décimo oitavo Arcano. Porque a Lua é o princípio da reflexão; como ela reflete a luz do Sol, do mesmo modo a inteligência humana reflete a luz criadora da Consciência. E como o lagostim se move nadando para trás, também a inteligência humana se move para trás, isto é, na direção efeito-causa, quando está empenhada no ato do conhecimento que lhe é próprio. Como, ainda, a vontade de dominar a natureza põe em movimento o mecanismo intelectual prescrito pelas regras do jogo para seu trabalho, do mesmo modo a Lua da lâmina do décimo oitavo Arcano está em eclipse, sem a franja dos raios refletidos da luz solar, enquanto a sua superfície reflete apenas a imagem, em perfil, do rosto humano. Os outros pormenores da lâmina — as gotas coloridas caindo do alto, as duas torres, os dois cães latindo, a água estagnada do pântano — especificam, como veremos na continuação desta meditação, os aspectos da corrente “intelectualidade-materialidade”, contrária à corrente da evolução criadora ou ” duração-espírito”.
O “Sol”, a “Lua” e as “Estrelas” são, segundo o Gênesis, os luzeiros do firmamento do céu, feitos para iluminarem a terra. A sua criação constitui o quarto dia da criação do mundo.
Ora, a consciência humana é o campo no qual se manifestam três espécies de luz: a luz criadora, a luz refletida e a luz revelada. A primeira participa da obra da criação do mundo como ela continua depois do “sexto dia” da criação, ao que chamamos hoje “evolução criadora”. A segunda ilumina o campo escuro da ação da vontade humana que hoje denominamos “matéria”. A última nos orienta para valores e verdades transcendentes que constituem como que a corte suprema de apelação, o critério último de tudo o que é válido e de tudo o que é verdadeiro no espaço e no tempo. Graças a essas três espécies de luz, o homem é, ao mesmo tempo, criador participante da evolução criadora, senhor da matéria, autor da obra civilizadora e adorador ajoelhado de Deus, capaz de orientar a sua vontade para a vontade divina. A consciência criadora, a inteligência em reflexão e a revelação do alto são os três luzeiros do microcosmo humano: seu Sol, sua Lua e suas Estrelas.
Os três Arcanos Maiores do Tarô — “A Estrela”, “A Lua” e “O Sol” — são os da luz revelada do alto, da inteligência em reflexão e da consciência criadora. Tratamos do Arcano estelar na última Carta; na Carta seguinte ocupar-nos-emos do Arcano Solar . Nesta Carta, tratamos do Arcano lunar, do Arcano da dupla inseparável formada pela Terra e por seu satélite, “a Lua”, ou, em relação ao microcosmo, da materialidade e da inteligência. O décimo oitavo Arcano do Tarô, devemos dizê-lo formalmente, revela a relação entre a Lua e a Terra ; trata da dupla Lua–Terra enquanto tal, como, por exemplo, Henri Bergson trata da dupla ” inteligência-materialidade” enquanto tal. Porque a materialidade (vale dizer, o aspecto material e mecânico do mundo) está para a inteligência (isto é, para a faculdade da consciência que procede dos efeitos para as causas por indução e dedução) como a Terra está para a Lua; a inteligência é proporcionada à matéria, e a matéria é a síntese e se adapta assim à inteligência, “que se caracteriza pelo poder indefinido de decompor segundo qualquer lei e de recompor em qualquer sistema” (Bergson, Evolution créatrice, p. 158). Elas constituem dupla inseparável. Imaginai o estado da consciência privada de meio divisível ao infinito e recomponível indefinidamente. Ela seria incapaz de separar do conjunto da duração das coisas particulares para agrupá-las em categorias e classes; seria, além disso, incapaz de fabricar os utensílios e as máquinas das quais se serve como complemento dos órgãos dados ao ser humano pela natureza para a ação e a percepção. [Valentin Tomberg]