tradução
A prática [do Xivaísmo] da Caxemira incentiva a abertura para o surgimento de emoções. Ao contrário da ioga clássica, que visa evitar, controlar ou superar as emoções ou, como na psicologia moderna, aceitar, integrar ou, dependendo da escola, até mesmo rejeitá-las, o objetivo aqui é queimá-las com toda a força do amor. […]
O conflito é a porta. A emoção dentro de mim não precisa ser justificada, provada ou formulada: ela precisa ser sentida. Para que possa se revelar, se libertar de sua causa aparente e se expressar em toda a sua ressonância, o corpo deve se tornar todo ouvidos. Sem justificativa, explicação ou comentário, sem o menor ímpeto de frear a dor, a tristeza ou o medo, essa intimidade recebe a efervescência da emoção. Livre de conceitos, o sentimento não é mais vivenciado psicologicamente, mas como uma experiência tátil. A extrema riqueza desse desvelamento será sentida tanto como neutralidade absoluta, frieza sem afetividade e, ao mesmo tempo, como o calor de um fogo de artifício sensorial sem limites. Quanto mais livre for a imaginação, maior será a capacidade de aceitação irrestrita. A menor apropriação reducionista — “Estou triste”, “Estou com raiva” — congela a emoção em seu zumbido mais repetitivo: apenas o que é aceitável dentro dos limites de nossas vidas miseráveis é transmitido. Quanto mais desenvolvemos a capacidade de vivenciar a emoção sem psicologia, mais descobrimos a maravilha da vida em todas as suas formas. A beleza, a admiração e o espanto tornam-se o pano de fundo permanente contra o qual se desenrola o impensável jogo da vida. Nessa disponibilidade, inaceitável para a pessoa que teme seu desaparecimento, a intensidade da percepção queima toda a possibilidade de conceitualização. A percepção pura, sem pensamento, de momento a momento, livre de qualquer referência a um eu, se tornará o coração e o eixo da vida. A experiência da alegria dissolve o senso de separação. Esse núcleo profundo, disponível em todas as circunstâncias, se revelará como o coração da tradição.
Aqui não há necessidade de práticas, evoluções espirituais ou outras meditações, concentrações ou estratégias. A não-violência e a escuta sem julgamentos das percepções, emoções e tendências são uma constante fundamental do Xivaísmo da Caxemira. A dissolução do objeto percebido, grâhya, do sujeito que percebe, grâhaka, e da percepção, grâhana, é o abandono da intencionalidade.
As emoções são acalmadas por meio da indiferença espontânea em relação aos objetos, que então parecem insípidos. Ao contrário, enquanto são reprimidas à força, as reações criam outras reações. Abhinavagupta
original
La pratique cachemirienne favorise la disponibilité à l’émergence de l’émotion. Contrairement au yoga dit classique, qui vise à l’empêcher, la contrôler, la dépasser ou, comme dans la psychologie moderne, à l’accepter, l’intégrer, voire, selon les écoles, à la rejeter, il s’agit ici de la brûler de toute la force de son amour. […]
Le conflit est la porte. L’émotion qui m’habite n’a pas besoin d’être justifiée, prouvée, formulée : elle a besoin d’être sentie. Pour qu’elle puisse se dévoiler, se libérer de sa cause apparente et s’exprimer dans toute sa résonance, le corps doit devenir tout écoute. Sans justification, explication ni commentaire, sans le moindre dynamisme de vouloir arrêter la peine, la tristesse ou la peur, cette intimité reçoit l’effervescence de l’émotion. Libre de concepts, le ressenti n’est plus vécu selon la vie psychologique mais comme expérience tactile. La richesse extrême de ce dévoilement sera ressentie à la fois comme absolue neutralité, froideur sans affectivité et, en même temps, chaleur d’un feu d’artifice sensoriel sans limite. Plus on est libre d’imaginaire, plus la capacité d’accueil sans restriction est présente. La moindre appropriation réductrice — « Je suis triste», « je suis en colère » — fige l’émotion dans son ronronnement le plus répétitif : ne vient que ce qui est acceptable dans la limite de notre vie misérable. Plus se développe la capacité de vivre une émotion sans psychologie, plus se fait jour l’émerveillement de la vie sous toutes ses formes. La beauté, l’admiration, l’étonnement deviennent cet arrière-fond permanent dans lequel se déploie l’impensable jeu de la vie. Dans cette disponibilité inacceptable pour la personne qui craint sa disparition, l’intensité de la perception brûle toute possibilité de conceptualisation. La perception pure, sans pensée, d’instant en instant, libre de toute référence à un soi-même, va devenir le cœur et l’axe de la vie. L’expérience de joie dissout le sens de la séparation. Ce fond profond disponible en toutes circonstances va se révéler comme le cœur de la tradition.
Point n’est besoin ici de pratiques, d’évolutions spirituelles et autres méditations, concentrations ou stratégies. La non-violence et l’écoute sans jugement des perceptions, émotions et tendances, sont une constante fondamentale du shivaïsme du Cachemire. La dissolution de l’objet perçu, grâhya, du sujet percevant, grâhaka, et de la perception, grâhana, est lâcher-prise de l’intentionnalité.
Les émotions se calment à travers l’indifférence spontanée envers les objets, qui apparaissent alors sans goût. Au contraire, aussi longtemps qu’elles sont réprimées avec force les réactions créent d’autres réactions. Abhinavagupta