A capacidade da humanidade de restaurar e “salvar” o cosmo, no entanto, depende de sua própria regeneração. Boehme tem muito a dizer sobre o amor e a misericórdia de Deus, sobre a Encarnação e sobre a maneira pela qual os indivíduos recebem a salvação. A maior parte do que diz sobre essas questões não é muito diferente das posições de seus predecessores entre os místicos e os reformadores. A originalidade de seu pensamento está em sua análise metafísica incomum de Deus, com suas concepções corolárias sobre o mundo, o mal e a natureza humana. Além disso, os escritos de Schelling que examinarei estão preocupados com uma análise semelhante da natureza de Deus e não abordam problemas de cristologia e redenção. Por essas razões, posso omitir com segurança as visões detalhadas de Boehme sobre a salvação. Algumas das facetas mais interessantes desse problema são suficientes para mostrar que sua orientação cristã o levou a considerar toda a gama de questões soteriológicas.
A queda não perverte totalmente a natureza humana, mas a deixa com uma receptividade genuína para um novo nascimento de Deus na alma. Portanto, a salvação não é a substituição total da velha natureza por uma nova, mas uma verdadeira “regeneração”, que mantém a identidade do indivíduo salvo com seu eu anteriormente caído. Além disso, a vontade permanece livre em todos os momentos. A salvação vem somente quando a pessoa se apropria dela livre e voluntariamente. Nenhuma coerção é possível, e não há predestinação para minar a liberdade e a responsabilidade humanas.
Deus planejou a Encarnação como o meio de redenção, porque previu a queda. Boehme não trabalha no contexto do problema tradicional das duas naturezas de Cristo. Além disso, é vago com relação à relação do Filho encarnado com o segundo princípio em Deus. À medida que seu pensamento amadurece, enfatiza cada vez mais que o amor de Deus está concentrado no Filho (segundo princípio, Jesus, ou ambos?), e que o Filho é o foco daquilo em Deus que é verdadeiramente divino (em oposição ao centro escuro antidivino). Com relação à obra de Cristo, Boehme enfatiza a visão de que iniciou a restauração do temperamento à criação, triunfando sobre o mal e a morte, tornando-se ele mesmo o andrógino perfeito, o novo Adão. As ideias de expiação ou satisfação estão longe de sua mente, pois a ira de Deus é dissipada apenas pela restauração do equilíbrio ontológico, não por uma manobra substitutiva.
Boehme é um oponente implacável da teoria luterana da “justiça imputada”. A fé não é apenas um assentimento, mas um ato de vontade que é eficaz na transformação da vida da pessoa. A justificação não é forense, mas equivale à regeneração real do crente. A pessoa se apropria da salvação pela renúncia do egoísmo. Quando a vontade desiste radicalmente de seu egocentrismo destrutivo, pode ser regenerada. Esse arrependimento não requer práticas ascéticas ou ritos externos, pois é uma alteração da vida interior. Acompanhando a renúncia do egocentrismo está a apropriação da imagem de Cristo. Pela imaginação, a pessoa se conforma à imagem exemplar de Cristo. Assimila-se a Cristo, o perfeito, até se tornar novamente em seu próprio ser uma expressão positiva e fiel de Deus. Dessa forma, subjuga o poder destrutivo do mal em si mesma e se torna uma verdadeira imagem de Deus, um microtheos. Na ressurreição, receberemos novamente corpos andróginos e espirituais (não materiais), pois toda a desintegração e oposição dentro da natureza humana terão fim. A possibilidade de nos afastarmos de Deus será decisivamente superada.
Também devemos observar o fato de que há uma forte tendência escatológica no pensamento de Boehme. Suas polêmicas contra a contemporânea “igreja de Babel” o levaram a dividir o curso da história em sete períodos (a era atual está no sexto período), representando os estágios da revelação e da salvação de Deus. Ele espera um fim da história, no qual as forças do mal serão decisiva e eternamente isoladas, e a bondade realizada nas criaturas será restaurada para a perfeita comunicação com Deus.