«Se declaras que tal forma é Deus, é que tu a homologas porque ela é uma forma dentre as formas onde ele se manifesta (mazhar); mas se dizes que ela é outra coisa, outro que Deu Deus, é que tua a interpretas, da mesma maneira que te incumbes interpretar as formas vistas em sonho». Mas homologação e interpretação não valem senão simultaneamente, pois então dizer que a forma teofânica é outra que Deus, isso não é absolutamente depreciá-la como «ilusória», é ao contrário valorizá-la e fundá-la como símbolo referente ao simbolizado (marmuz ilayhi), o qual é o Ser Divino. Com efeito, o ser revelado (zahir) é Imaginação teofânica, e simultaneamente sua verdadeira realidade oculta (batin) é o Ser Divino. É porque o ser revelado é Imaginação, que uma hermenêutica das formas manifestadas nele é necessária, quer dizer um tawil que «reconduza» (segundo a etimologia da palavra tawil) estas formas a sua verdadeira realidade. Não somente o mundo do sonho mas o mundo que chamamos comumente o mundo da vigília, todos os dois têm a mesma e igual necessidade de uma hermenêutica. Mas notemos bem isto: se o mundo é criação recorrente (khalq jadid) e recorrência de epifanias, se como tal é Imaginação teofânica, se desde então tem necessidade de uma hermenêutica ou tawil, é portanto certamente a criação recorrente, imperceptível aos sentidos, que em último recurso faz que o mundo seja Imaginação e tenha necessidade de uma hermenêutica assim como os sonhos. A sentença atribuída ao Profeta: «Os humanos dormem, em sua morte eles se despertam», dá a compreender que tudo o que os humanos veem em sua vida terrestre é da mesma ordem que as visões contempladas em sonho. A superioridade do sonho sobre os dados positivos da vigília está mesmo aí: permitir, ou melhor requer uma interpretação que supere os dados, porque estes dados significam outra coisa que o que se mostra. Eles manifestam (e todo o sentido das funções teofânica está aí). Não se interpreta o que nada tem a vos ensinar, nada significa além do que é. É porque o mundo é Imaginação teofânica, que é constituído de «aparições» demandando ser interpretadas e superadas. Mas então também é só pela Imaginação ativa que a consciência, despertada para a verdadeira natureza do mundo como «aparição», pode superar os dados, e por aí se tornar apta a novas teofanias, quer dizer a uma ascensão contínua. A operação imaginativa inicial será de tipificar (tamthil) as realidades imateriais e espirituais nas formas exteriores ou sensíveis, estas se tornando então a «cifra» disto que manifestam. A Imaginação permanece em seguida o motor deste Tawil que é ascensão contínua da alma.
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