Gorceix (BGJG) – luz e trevas

A resposta é dupla [a questão de “dois deuses”]. Em primeiro lugar, devemos nos dar conta, sob o risco de deixar de apreciar a radicalidade essencial da ira divina, de que o mal, ou melhor, a escuridão, está presente na natureza divina. Nosso autor [Gichtel] se refere ao primeiro capítulo de um pequeno tratado de Jacob Böhme, a Theoscopia. Se uma vontade permanece como é, fechada em si mesma, não pode se conhecer, não pode desejar um bem que desconhece, não pode aspirar à sua origem. A diferenciação está na raiz de toda vida, não apenas no homem, mas também, e sobretudo, em Deus. O discípulo capta perfeitamente a intuição metafísica central dos teutônicos, “a dupla necessidade — para o ser e o pensamento — de uma luta e uma oposição de opostos cuja síntese constitui a vida”. No próprio Deus, a oposição polar é a base da revelação, que é expressa em opostos, na linguagem moderna: a estrutura do ser é dialética. A escuridão nasce da vontade. Deus, o Criador, necessariamente engendra uma escuridão da qual surgirá a luz: “Pois quando Deus quis gerar de si mesmo ou criar criaturas, se apoderou e mutou a si mesmo em sua vontade; e nesse movimento nasceram as trevas, que são, portanto, o princípio da ira, ou da natureza eterna”. Essa escuridão então desejou a luz. Das trevas surgiu o fogo, e desse fogo a luz. Essas três formas, “trevas, fogo e luz”, são as três sílabas do nome Je-ho-vah, no qual estão unidas sem qualquer distinção.

E ainda assim: seria errado identificar — e essa é a segunda parte da resposta — essa escuridão, essa ira, esse mal em Deus com a escuridão, a ira, o mal como se manifesta na natureza. É importante manter em toda a sua profundidade a distinção entre a natureza eterna, o “fogo central da Santíssima Trindade”, que é amor, que é somente amor, e a natureza externa, cujo fogo é somente ira. O fogo é o grande símbolo que nos permite entender o maior problema de todos: ele pode ser agradável, iluminando-nos, aquecendo-nos; mas também pode ser terrível, consumindo e destruindo tudo. O primeiro é o amor, o segundo a ira, o primeiro a Palavra, o segundo o Pai. O fogo devorador está de fato presente em Deus, mas como o poder do Pai, ele é contido e dominado pela bondade do Filho. Portanto, não pode se revelar dentro da natureza divina. Em resumo: “Em Deus, as trevas, o fogo e a luz são bons”. As trevas e a luz, o mal e o bem habitam nele em equilíbrio, no que chama de similitude, como em uma lareira bem regulada. A natureza terrível do fogo não se manifesta. O mal em Deus não pode revelar seu poder aterrorizante. Em uma sala ensolarada, o sol do meio-dia “engole e esconde” a noite. Essa noite está em algum lugar, porque quando chega a noite e o sol se põe, preenche a sala. Um experimento simples mostra isso: feche as janelas e a escuridão cairá. Portanto, a escuridão está no cômodo e não vem de fora. É que, durante o dia, o sol a engole. Da mesma forma, o mal existe em Deus, está presente na natureza eterna como a noite no cômodo iluminado. Mas não tem existência independente, distinta, diferenciada, porque está indissoluvelmente unido ao bem, porque o Pai e o Filho são um. Sem o mal não há vida, sem a escuridão não há luz. Enquanto você não fechar as janelas, enquanto não proibir a entrada do sol, a sala permanecerá iluminada. Enquanto temperar o fogo com amor, não se espalhará, não destruirá a floresta nem a casa. Uma frase resume a meditação: a escuridão está em Deus, mas Deus não é o autor da escuridão, ou então: em Deus, ela não se manifesta.

Bernard Gorceix, Jacob Boehme, Johann Georg Gichtel