Excerto da tradução de José Jorge de Carvalho, “Poemas Místicos”
Volta e voa
Não deve a alma ascender
quando o sopro gentil da fonte onipotente
convida-a para voar?
Não deve o peixe deslizar,
ao ouvir o chamado das ondas,
da praia para o mar?
Não deve o falcão abandonar a caça,
ao ouvir o toque do tambor que o chama
de volta para junto de seu rei?
Não deve o sufi dançar
como partícula diminuta
em torno do sol eterno
e salvar-se do declínio?
Tanta beleza e graça,
tanta entrega de vida.
Não responder a esse chamado
é perder-se na dor e no infortúnio.
Volta, então, voa para casa,
com as plumas abertas de tuas asas,
abandona agora teu cárcere.
Troca teu poço estagnado
pela torrente da água da vida.
Sai do átrio para o lugar de honra da alma.
Segue em frente, que também estamos indo
do mundo do exílio ao mundo da união.
Por quanto tempo ainda encheremos os bolsos
com areia e pedras, como crianças?
Livremo-nos desta terra e alcemos voo.
Deixemos para trás todo ato infantil,
e sentemo-nos enfim à mesa dos homens.
Vês como foste capturado pelo molde terrestre?
Rompamos a casca e ergamos a cabeça.
Toma esta carta de amor na tua mão direita.
Não és mais a criança:
distingue direita e esquerda!
Disse Deus ao arauto da razão:
“Vai!”
E para a mão da morte, ordenou:
“Castiga os desejos do mundo”.
A alma ouve o chamado:
“Vai ao mundo do não-visto!”
Recolhe os bens e os ganhos
e não lamentes mais tua dor.
Grita e reclama tua realeza.
Tua graça há de ser a resposta obtida,
e o conhecimento revelado
na pergunta que fizeste.