Mâyâ não é apenas a “ilusão universal”, é também o “jogo divino”. É a grande teofania, a “revelação” de Deus “em si mesmo e por si mesmo”, como diriam os sufis. Mâyâ é como um tecido mágico cuja urdidura vela e cuja trama revela; um intermediário quase elusivo entre o finito e o infinito — pelo menos do nosso ponto de vista como criaturas — tem toda a ambiguidade cintilante que condiz com sua natureza meio cósmica, meio divina.
A doutrina vedantina é, sem dúvida, a metafísica por excelência; ela transmite todas as verdades essenciais, mas a doutrina sufi talvez seja mais explícita em um ponto, a saber, o “porquê” ou “como” da projeção do “jogo divino”. Os hindus declaram prontamente que Mâyâ é inexplicável; os muçulmanos, por outro lado, insistem no “motivo divino” para a criação, ou seja, que “Eu era um tesouro escondido, queria ser conhecido e criei o mundo”: o mundo é uma “dimensão” da infinitude de Deus, se é que podemos dizer assim. Em outras palavras: se Allah não tivesse, entre outras qualidades, a da “exterioridade” (Ezh-Zhahir), Ele não seria Deus; ou ainda: somente Ele tem a capacidade de introduzir a realidade no nada. É verdade que as qualidades divinas opostas — tais como “exterioridade” e “interioridade”, “justiça” e “misericórdia”, “perdão” e “vingança” — já estão no domínio de Mâyâ, caso contrário não haveria oposição, mas cada uma delas expressa um mistério da Essência ou do Ser supremo; pois todos os aspectos divinos, tanto extrínsecos quanto intrínsecos, são interdependentes em virtude da unidade da Essência.
Se o mundo é necessário em virtude de um mistério da infinitude divina — e a perfeição da necessidade não deve ser confundida com constrangimento, nem a perfeição da liberdade com arbitrariedade —, então o Ser Criador é necessário antes do mundo, e ainda mais; o que o mundo é para o Ser, o Ser é — mutatis mutandis — para o supremo Não-Ser. O Princípio divino “querendo ser conhecido” — ou “querendo conhecer” — se inclina para o desdobramento de sua infinitude interna, um desdobramento que é primeiro potencial e depois externo ou cósmico. A relação “Deus-mundo”, “Criador-criatura”, “Princípio-manifestação” seria inconcebível se não fosse prefigurada em Deus, independentemente de qualquer questão de criação.
- Mâyâ, ilusão universal, mas também “jogo divino”
- Do “porque e do “como” da projeção do “jogo divino” segundo os sufis
- Que pode querer dizer “Mâyâ é inexplicável”
- Do lado ininteligível — e em um sentido absurdo — de Mâyâ
- Fonte da diferença entre a perspectiva estritamente metafísica ou sapiencial e as teologias catafáticas e ontológicas
- Instabilidade, contrapartida da contingência
- Quem diz “manifestação” diz reintegração
- O homem é como uma imagem reduzida do desdobramento cosmogônico
- Qual é a missão do homem?