Num artigo escrito em 1957 discuti uma série de experiências, mitologias e pesquisas relacionadas com a “luz mística”. Meu objetivo era formular uma morfologia que facilitasse uma análise comparativa relevante. Basicamente, o ensaio tinha uma intenção metodológica, ou seja, mostrar que somente através da comparação de fenômenos religiosos semelhantes pode-se chegar simultaneamente à apreensão de sua estrutura geral e de seus significados particulares, específicos. Escolhi a pesquisa das experiências e ideologias relacionadas com a “luz mística” exatamente por causa de sua distribuição extensiva no espaço e no tempo. De fato, temos à nossa disposição um grande número de exemplos retirados de várias religiões, não só das religiões primitivas e orientais, como também das três tradições monoteístas, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Além disso, há mais um dado significativo: uma vasta documentação relacionada com experiências espontâneas ou “naturais” de luz interior, ou seja, fenômenos experimentados por indivíduos sem qualquer preparação ascética ou mística e, aparentemente, mesmo sem interesse religioso.
Não pretendo resumir aqui os resultados de minha pesquisa: Como é de se esperar, as semelhanças e diferenças morfológicas observáveis entre essas experiências levam-nos a significados teológicos ou religiosos diferentes, embora comparáveis entre si. Se me permitem citar minhas observações finais, todos os tipos de experiência de luz têm esse fator em comum: retiram o homem de seu universo profano ou de sua situação histórica e o projetam num universo diferente em qualidade, um mundo completamente novo, transcendente e sagrado. As estruturas desse Universo sagrado e transcendente variam de acordo com a cultura e a religião própria de cada homem. Contudo, elas apresentam um traço em comum: o Universo revelado através de um encontro com a Luz contrasta com o Universo profano – ou o transcende – pelo fato de ser essencialmente espiritual, ou seja, acessível somente àqueles que acreditam no Espírito. A experiência da Luz modifica radicalmente a condição ontológica do sujeito através da revelação do mundo do Espírito. No curso da história humana, tem-se observado milhares de concepções e valorizações diferentes do Espiritual. Esse fato é evidente. Como poderia ser de outra forma, uma vez que toda conceitualização está irremediavelmente presa à linguagem e, consequentemente, à cultura e à história? Pode-se dizer que o significado da Luz sobrenatural é transmitido diretamente à alma do homem que a experimenta – e, mesmo assim esse significado somente pode chegar à consciência quando revestido por uma ideologia preexistente. Tem-se, então, o paradoxo: o significado da Luz é, de um lado, e em última análise, uma descoberta pessoal; e, por outro lado, cada homem descobre o que está cultural e espiritualmente preparado para descobrir. Permanece, contudo, um fato que nos parece fundamental: qualquer que seja a integração ideológica subsequente, o encontro com a Luz produz uma ruptura na existência do sujeito, revelando-lhe – ou tornando mais claro que antes – o mundo do Espírito, da santidade e da liberdade; em suma, a existência como criação divina, ou o mundo santificado pela presença de Deus.
As diversas experiências de luz que discuti em meu ensaio, com exceção dos poucos casos espontâneos, foram sempre valorizadas em seus contextos tradicionais. Em resumo, uma determinada experiência de luz foi considerada uma experiência religiosa por ser a luz considerada, nos sistemas mitológicos ou teológicos já existentes, uma expressão da divindade, do espírito ou da vida santificada. Com toda certeza posso afirmar não existir, universalmente, uma teologia ou metafísica articulada da luz divina, comparável, por exemplo, aos sistemas hindus, iraniano ou gnóstico. Não se pode, contudo, duvidar do caráter empírico da maior parte das mitologias, teologias e gnoses baseadas na equivalência: luz–divindade–espírito-vida. Em outras palavras, após rever, parcialmente, a documentação vasta e impressionante relacionada com a experiência de “luz mística”, é difícil deixar de supor que, nas religiões e seitas em que foi dado valor máximo à luz, tais experiências não tenham sido a origem, o pressuposto ou a confirmação da respectiva teologia da luz. [Eliade]