André Allard l’Olivier — A ILUMINAÇÃO DO CORAÇÃO
Tradução do capítulo VII
Deus é luz, luz incriada. Pela face interna que apresenta a Deus, a alta região da alma recebe diretamente o influxo do Existir divino à maneira, como disse, pelo qual um espelho recebe a luz do sol. Mas a criatura, ordinariamente, não tem qualquer consciência desta recepção, e isso porque seu espírito está absorto pela contemplação das coisas do mundo e distraído por elas do mistério do qual este espírito é o lugar. O desvelamento se produz quando o Ipsum esse se faz conhecer ao espírito em operando uma ruptura radical das relações que habitualmente o espírito sustenta com as coisas do mundo. É o mundo que vela o Existir divino, mesmo quando o espírito e a inteligência mental têm a convicção que o mundo e seus «múltiplos esplendores» exprimem e proclamam a glória de Deus. O desvelamento do Existir ao plano superior do espírito indica um ato de consciência a este plano mesmo, quer dizer ao plano do intelecto agente. Quando o espírito deixa de ser absorvido não somente pelo espetáculo das coisas do mundo sensível, mas ainda por aquele das operações mentais que assume; em outros termos, quando o intelecto agente deixa de agir em direção de tudo o que é objetivamente «aí diante» dele: pensamentos mentais assim como imagens ou coisas sensorialmente percebidas, — então há tomada de consciência do mistério da recepção do influxo existencial divino e, consequentemente, desvelamento.
Metanoia: «revirada», «conversão», movimento de «voltar-se» que arranca o espírito do espetáculo do mundo para o virar do lado oposto ao mundo. «Semelhante a um olhar suposto incapaz, ao invés de inteiramente com o corpo, de evoluir disto que é obscuro para o que é luminoso, assim também, é com a alma inteira que deve se operar, a partir do mundo do devir, a conversão deste órgão (trata-se do espírito), até o momento onde será enfim capaz, dirigido para o real (o mundo das Ideias divinas). de sustentar a contemplação do que há, no real, de mais luminoso (o Bem, no topo do mundo das Ideias).» Platão, neste texto da República VII, 518, c,a, tem manifestamente em vista a «conversão» lenta e metódica operada pela alma inteiramente, e é certamente, como terei ocasião de dizer de uma maneira mais explícita, que só uma metanoia lenta e metódica torna a alma inteiramente capaz de sustentar o desvelamento da Realidade divina quando a alma toma consciência desta realidade pela face interna de seu espírito; enquanto me prendo mais particularmente aqui ao que advém da alma na ocasião de uma metanoia súbita e fulminante que é mais uma revolução que uma conversão.