Gorceix (BGJG) – Não é uma solução dizer que Deus é bom e mau

Como um leitor fiel das Escrituras, nosso teosofista [Gichtel] está bem ciente da resposta dada a essa oposição fundamental [amor-cólera] pelas mesmas passagens que descrevem a terrível cólera de Deus. A Epístola aos Hebreus vê na promessa: “Abalarei não só a terra, mas também o céu” apenas o anúncio de outro tempo em que “as coisas que são abaladas serão mudadas… de modo que as coisas que são inamovíveis permanecerão” (12, 26, 27). E Moisés responde ao povo: “Deus veio para testá-los e para evitar que pequem por causa do medo dele” (Êxodo 20:20). Os argumentos são semelhantes: a cólera que se abate sobre o corpo e a alma é o querubim purificador, despoja a vontade e o desejo de sua impureza, apodera-se do elemento irado que ela mesma possui. Ao nos assustar, Deus nos impede de cometer uma falta; seu rigor força nossa vontade culpada a uma salutar inação. Um bom pai usa a vara porque quer o bem de seus filhos, e ele nos salva, mesmo contra nossa vontade. A segunda justificativa para o mal também é tradicional. A escuridão é necessária “para que possamos aprender a distinguir”. Se a cólera divina não fosse liberada, nunca seríamos capazes de apreciar plenamente a bondade do Criador. Se a noite não existisse, nunca saberíamos como a luz é doce. A privação é a melhor escola. Deus expressou essa contradição fundamental no mundo para fins educacionais, no dia e na noite, nos animais úteis e nocivos, nas plantas venenosas e medicinais. Sua cólera é apenas o anverso necessário de sua misericórdia: toda moeda tem dois lados.

A novidade da especulação sobre cólera e bondade, no entanto, vai além dessa teodiceia. Johann Georg Gichtel não se contenta em ver nesses dois atributos as duas manifestações, as duas expressões históricas de uma presença divina. Ele também acha que a questão diz respeito ao próprio centro da criação. Ele sabe que é errado resolvê-la por meio da combinação de contradições. Não é uma solução dizer que Deus é bom e mau ao mesmo tempo, assim como dizemos que é grande e pequeno, próximo e distante. É com razão que as Escrituras dão a essa dualidade um lugar primordial, bem antes de todas as outras observações sobre o Absoluto. É necessário supor, como fazem os novos escribas, e mais particularmente os pregadores evangélicos, dois deuses, na doutrina culpada da predestinação? “Devemos dizer e professar que tudo tem Deus como origem” — inclusive o mal — e “no entanto, não podemos dizer que Deus é o autor do mal”. Essa é a base do debate.

Bernard Gorceix, Johann Georg Gichtel