IBN ARABI — SABEDORIA DOS PROFETAS
A sabedoria luminosa espalha sua luz na Presença imaginativa (hadrat al-khayal), e esse é o primeiro começo da inspiração (al-wahi) nos homens da Assistência Divina [ou seja, nos enviados e profetas]. ‘Aïshah [a esposa do Profeta] — que Deus esteja satisfeito com ela! — disse: “O primeiro sinal de inspiração divina no Mensageiro de Deus foi um sonho verdadeiro; a partir de então, cada sonho que ele teve provou ser como o nascer do dia, nada era obscuro nele”; e esse estado, ela acrescentou, durou seis meses; então veio o Anjo [que lhe revelou o Alcorão]. Ela não sabia que o Mensageiro de Deus havia dito: “As pessoas dormem e, quando morrem, acordam”, e que tudo o que ele via no estado de vigília era dessa natureza, apesar da diferença entre os estados [de sonho e vigília]. Ela falou de seis meses, mas, na realidade, toda a existência terrena do Profeta se passou assim, como um sonho dentro de um sonho1. Agora, tudo o que é revelado dessa maneira constitui o mundo imaginativo (‘alam al-khayal); e é por isso que há simbolismo: a realidade (al-amr) que em si mesma possui tal e tal ‘forma’2 aparece em outra forma; e o intérprete, por sua vez, transpõe a forma percebida pelo sonhador para a “forma” real da realidade envolvida, — supondo que ele a adivinhe; assim, por exemplo, o conhecimento se manifesta sob a aparência de leite; pois, de acordo com o que foi relatado, o Profeta considerava o leite como o símbolo do conhecimento.
NOTA: Quando os mestres sufis dizem que “o mundo é imaginação” (al-kawnu khayal), eles querem dizer que ele é ilusório, que não tem realidade própria, mas também que é composto de “imagens” ou reflexos de realidades eternas; O “mundo das analogias” (‘alam al-mithal), que inclui manifestações sutis e corporais, também é chamado de “mundo da imaginação” (‘alam al-khayal).
Dizer que o mundo é imaginação não significa, portanto, no espírito do sufismo, que sua realidade seja reduzida à do sujeito individual, da qual seria como uma projeção; pelo contrário, deve-se entender que a imaginação, que se manifesta subjetivamente na alma individual, possui, se não em sua atribuição, pelo menos em sua estrutura, um caráter cósmico e, portanto, de alguma forma “objetivo”. E deve ser assim se a imaginação “subjetiva” quiser reproduzir a continuidade do “grande mundo”; pois é por meio da imaginação que percebemos esse mundo como um ambiente contínuo. Uma vez que tenhamos reconhecido a natureza cósmica da imaginação, veremos também que todo o mundo formal é “tecido do mesmo pano” e, portanto, ilusório em relação ao Intelecto, que transcende a “imaginação” macrocósmica assim como transcende a imaginação “subjetiva”.
Seus sonhos eram sobrepostos ao sonho macrocósmico que é o estado de vigília. Ou então, sua vida se desenrolou como um sonho profético dentro da estrutura do sonho coletivo que é o mundo ↩
Aqui como em outros lugares, o termo ‘forma’ pode ser transposto para além do mundo estritamente ‘formal’ ou individual. ↩