“Dos quatro tipos de seres criados, desde Brahma a uma folha de grama, somente o sábio é capaz de renunciar tanto ao desejo quanto à aversão.” (64)
“Raro é o homem que conhece o númeno como um sem segundo, o senhor do universo. Ele faz o que considera digno de ser feito e não tem medo de nada.” (65)
Nesses dois versos, Janaka fala sobre o “sábio” que renuncia tanto ao desejo quanto à aversão e que faz tudo o que considera digno de ser feito sem medo de ninguém. Desse modo, fica claro que Janaka não se retirou completamente para aquela impessoalidade que assume tudo o que faz e o que não faz como funcionamento fenomenal do númeno. Ashtavakra, portanto, nos próximos quatro versos, lembra-o de que não há realmente nenhum fazedor individual fazendo qualquer renúncia e que o que acontece, em última análise, é a dissolução do “mim mesmo” no “eu”.
“Uma vez que és a pura e desapegada entidade, onde está a questão de renunciar a qualquer coisa? Tudo o que é necessário é a desidentificação do aparato psicossomático e a dissolução da ilusão do “mim mesmo” no “eu” noumenal. (66)
“No conhecimento de que o universo surge em ti mesmo como a Consciência, como bolhas no oceano, entre no estado de dissolução.” (67)
“No conhecimento de que a aparência do universo fenomenal é uma ilusão, como a da serpente na corda, e que, embora pareça real aos sentidos, tu, como o puro númeno, transcende-o completamente, entre no estado de dissolução.” (68)
“No conhecimento de que és a própria perfeição, a plenitude potencial do plenum, o imutável na miséria e na felicidade, na esperança e no desespero, na vida e na morte, entre no estado de dissolução.” (69)
Para começar, Ashtavakra diz a Janaka que ele só precisa abandonar a identificação com o corpo para se libertar. Está sugerindo que a identificação é a obstrução, cuja destruição lhe trará a liberação. Há nessa sugestão uma relação entre causa e efeito e, portanto, ainda está no reino da dualidade fenomenal. Ele está deliberadamente armando uma armadilha sutil para descobrir quão profundamente o discípulo absorveu intuitivamente o núcleo de seu ensinamento, que não há escravidão, portanto, não pode haver emancipação e que a liberdade total é a própria natureza do ser humano.
Em seguida, Ashtavakra pede a Janaka que se ilumine (por meio da dissolução) com o conhecimento de que o universo fenomenal surgiu nele mesmo como a Consciência, como bolhas na superfície do oceano. Novamente, Ashtavakra torna a iluminação dependente de certo conhecimento, como se a iluminação desaparecesse se esse conhecimento desaparecesse!
Mais uma vez, Ashtavakra diz a ele que a aparência do universo fenomenal, embora pareça tão real, é uma ilusão, como a da cobra na corda, e está fora de seu puro ser, e que, por meio desse conhecimento, ele deve se fundir na iluminação.
Por fim, Ashtavakra impressiona Janaka com a importância da equanimidade em relação aos opostos inter-relacionados, como dor e prazer, esperança e desespero, vida e morte.
Em todas essas sugestões, há um elemento velado de “fazer” algo para que Janaka possa “adquirir” a iluminação, e Ashtavakra está esperando ansiosamente pela reação de Janaka a essas sugestões astutas. A questão é que o guru entende o nível de receptividade do discípulo por meio da profundidade de sua compreensão. O guru quer saber se o discípulo tem a agudeza de inteligência para entender não apenas as palavras, mas o significado e a sabedoria por trás das palavras aparentes.
Novamente, Ashtavakra deve ter ficado muito satisfeito com as respostas de Janaka ao conselho específico de seu guru contido nesses quatro versos.