Toda esta história de manifestação divina começa na escuridão. A escuridão é praticamente sinônimo de mal e inferno. O mal está no início, ou pelo menos é o seu arquétipo. Identificado com as trevas, o mal preexiste a toda a criação.
É claro que o mal é impossível no nível da Deidade pura. Mas este Absoluto não é o Deus cujo nascimento a teosofia descreve. O Deus de Boehme é o Deus revelado, ou melhor, o Deus que se revela. E é precisamente o problema do mal que está ligado ao problema da revelação.
Para se revelar, a Divindade deve produzir algo que não seja ela mesma. Trará à existência uma realidade substancial que espelhará sua glória. Quando a revelação for consumada, esta realidade se assemelhará perfeitamente à glória que reflete. Mas no momento em que passa a existir, parece diferente.
Para se conhecer, Deus precisa produzir seu duplo. Mas nessa duplicação, há um elemento de alteridade. É nessa primeira dessemelhança, na raiz da manifestação divina, que reside a causa do mal. O Deus revelado inclui essa causa do mal, que é como o pressuposto de seu nascimento.
O problema do mal é primordial na teosofia de Boehme, assim como o é na Cabala, que é outra teosofia. Unde malum? De onde vem o mal? Essa é a pergunta que Boehme responde incansavelmente. E sua resposta se baseia em sua teoria da revelação. Deus só pode se revelar de acordo com a dualidade do bem e do mal. Deus é o bem soberano. Mas sem o mal, não poderíamos saber o que é o bem. O bem não pode ser conhecido em si mesmo. A gnose proposta pela teosofia de Boehme é o conhecimento do bem e do mal.
É esse ciclo anterior à criação que discutiremos primeiro. Em seguida, falaremos sobre o nascimento de Deus na criatura.