Gorceix (BGJG) – Deus de essência e Deus de vontade

Essa oposição entre um Deus de essência e repouso e um Deus de vontade e ação certamente pesou muito no misticismo alemão do século XVII. A concepção de Boehme empresta sua força e beleza a certos versos do Monodisticha de Czepko, do Peregrino Querubínico, e do Kühlpsalter de Quirinus Kuhlmann. Mas esses são apenas flashes isolados. Johann Georg Gichtel, por outro lado, mais uma vez procurou especular sobre o mistério divino, e é a concepção de Lutero e de Boehme que domina sua obra. Os raros leitores da Theosophia practica dificilmente notaram os textos em que o teosofista tenta fazer com que seus correspondentes entendam o que é o seu Deus. A primeira imagem que vem à mente não é tanto a da luz quanto a do fogo. Deus não é apenas um centro luminoso que se irradia em direção à criatura. Ele é uma verdadeira efusão eruptiva que destrói tudo o que não pode resistir ao teste do fogo. “Deus”, diz uma bela passagem, “é uma Majestade santa, revelada nas profundezas da alma sob a forma de um mar de fogo”. Esse oceano ígneo, que devora tudo “em um instante”, Gichtel chama de “mar de cristal”; não tem forma nem contorno, a luz o penetra como jaspe e é de um azul que evoca um céu sem nuvens. Por outro lado, Deus é um olho, um olho “mágico”, ou seja, um olho cujo olhar não é vazio, mas um olho que está olhando, criativo, ativo, o olho da eternidade que vai se revelar a si mesmo. Um olho que se torna um espelho, um espelho cuja atividade é dupla, porque Deus é, antes de tudo, seu próprio espelho, mas também porque se reflete no espelho que são as criaturas, por meio de uma especulação suprema, no sentido etimológico da palavra. Essa especulação é precisamente a Magia divina, ou, se preferir, a imaginação divina, que está na raiz da criação. A evocação grandiosa é ainda mais completa: relâmpagos saem desse espelho, e esses relâmpagos representam e são a vontade divina, tanto quanto o desejo divino. Finalmente, Deus não é tanto o Verbo quanto a Linguagem e a Fala. O Verbo se manifesta apenas uma vez na obra da criação: esse é o erro que muitos comentaristas cometem. Pelo contrário: o Verbo é a revelação constante da expressão falada, à qual nenhum idioma se assemelha, e que só é entendida como língua materna por aqueles que desistiram de ouvir a voz da serpente.

Bernard Gorceix, Johann Georg Gichtel