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Eva de Vitray-Meyerovitch
A tradução que aqui apresentamos da principal obra em prosa de Djalal-ud-Din Rumi, fundador da Ordem dos Dervixes Dançantes, é a primeira a ser publicada em francês. Há vários manuscritos dessa obra. O mais antigo encontra-se em Istambul; contendo 216 folhas, ou 410 páginas. Fihi-ma-fihi acaba na página 193; seguido do Kitab al-Ma’arif do filho de Djalal-ud-Din Rumi, o Sultão Walad. O colofão é de 1316. Portanto, foi escrito 44 anos após a morte do Mestre e copiado em um manuscrito redigido por um escriba presente às sessões durante as quais os discursos eram anotados. É o manuscrito asl, ou seja, o original.
O segundo manuscrito também encontra-se na Biblioteca Fatih, em Istambul. Tem 170 páginas e é do 4 ramadã 751 da Hégira (1350 da era Cristã), ou seja, 79 anos após a morte de Djalal-ud-Din. Alguns gazéis1) e quadras do Mestre foram adicionados a essa cópia, que não tem os Ma’arif. Seu título não é Fihi-ma-fihi, mas Asrar-ul-Djalaliya, “Os segredos de Djalal-ud-Din”. Esse manuscrito também é muito importante, certamente por ter sido copiado em um manuscrito feito na casa do Mestre de Konia. É o manuscrito Ha.
Um terceiro manuscrito que não parece tão autêntico quanto os outros dois, o da biblioteca Sulemanye de Istambul, sem data, é do fim do século VIII da Hégira (fim do século XIV).
O quarto manuscrito, escrito na metade do século XV, sem os Ma’arif, encontra-se na Biblioteca Nacional de Teerã.
O quinto manuscrito, escrito em 888 da Hégira, pertence ao Professor Foruzanfar, a quem devemos a edição do Fihi-ma-fihi em Teerã, em 1952. Uma edição, bem incorreta, havia sido publicada na Índia em 1928.
Na capa do primeiro manuscrito que mencionamos, há o título Kitab Fihi-ma-fihi (O livro de Fihi-ma-fihi). A palavra “Kitab” caiu e ficou somente Fihi-ma-fihi. Sem dúvida, esse título não foi dado a essa obra na época do Mestre, visto que o segundo manuscrito chama-se, como vimos, Asrar-ul-Djalaliya. Porém, é com o título de Fihi-ma-fihi que passou para a posteridade. Essas três palavras são de uma quadra de Ibn Arabi, o grande poeta místico, que morreu em Damasco, em 1240, e Djalal-ud-Din certamente o encontrou nessa cidade. Esse poema encontra-se no Futuhat-al-Makkiya (ed. Bulak, segundo livro, p. 777): aquele que compreende esse significado, possui o tesouro da vida.
Como traduzir esse título? Fihi-ma-fihi literalmente quer dizer: “Nisso está o que aqui está”, ou “Isso encerra o que isso encerra”, “Isso contém o que isso contém”, ou ainda “Tudo está nisso”.2 E possível se perguntar sobre o sentido que convém dar a essa expressão. Sem dúvida, a que parece estar mais próxima de Djalal-ud-Din Rumi é a de que um ensinamento espiritual vem conforme aquele que o recebe: ele só encontra em tal ensinamento aquilo que é capaz de descobrir. Já enfatizamos a necessidade de tal receptividade do discípulo em relação aos conselhos de seu mestre.3 “As palavras”, está escrito no Fihi-ma-fihi, podem somente despertar um eco em vós. Elas são unicamente “a sombra da realidade… um pretexto”.4 Adaptam-se à capacidade do ouvinte:5 “Esperamos”, acrescenta, “que possais ouvir essas palavras através de vosso ouvido interior”.6
Além disso — sem contradizer em absoluto o que acabamos de mostrar — esse título poderia dar a entender que um segredo está oculto nesse ensinamento, que não é preciso limitar-se à aparência, mas procurar seu aspecto mais interno. No capítulo 26, após ter exposto algumas parábolas, Djalal-ud-Din Rumi declara: “Procurai não dizer que entendestes… A compreensão reside em não compreender… Para ti, essa compreensão é um obstáculo. É preciso escapar dela”.7 Para alcançar o sentido profundo (mani) dissimulado “sob o véu das palavras”,8 somente disponibilidade, ou receptividade não bastam: é necessário um esforço, uma atitude, primeiro passo que faz daquele que questiona — ou se questiona — um peregrino (salik), no Caminho. “Como poderíamos alcançar a pérola simplesmente olhando para o mar? É preciso um mergulhador para encontrar a pérola”.9
A utilidade da palavra será portanto “a de fazer-te procurar e a de incitar-te; o que não quer dizer que a coisa que se busca seja obtida pela palavra: se fosse assim, não terias que fazer tanto esforço… A palavra é como algo que vês mover-se de longe: vais à sua procura para vê-la, mas não é por causa de seu movimento que a vês. A palavra do homem, sob seu aspecto oculto, é algo como: ela te faz buscar o sentido, embora na realidade não o vejas”.10
A maior parte das almas estão adormecidas: a função do mestre consiste essencialmente em um despertar.11 Toda a obra de Djalal-ud-Din Rumi caminha para esse objetivo: “Estudei”, disse, “as ciências e esforcei-me para que os sábios, os estudiosos, as pessoas inteligentes e aqueles que pensam profundamente se aproximassem, para que eu pudesse expor coisas preciosas, estranhas e sutis: Deus, o Altíssimo, assim determinou”.12 O grande poeta místico, fundador da Tariqa mawlawiya, nunca se permitiu fazer arte pela arte:13 ele quis ser, antes de mais nada, mestre espiritual, e é assim que o vemos em Fihi-ma-fihi.14 [Excerto da Introdução de Eva de Vitray-Meyerovitch, Le livre du Dedans. Tr. Margarita Maria Garcia Lamelo]
Doug Marman
The title of Rumi’s discourses, Fihi ma Fihi, was translated by Arberry to In It What Is In It, but I believe It Is What It Is comes closer to Rumi’s intent. In any case, this title is filled with multiple meanings, just as all of Rumi’s works are. This may be a foreign idea, that someone could be communicating many things, at many levels, at the same time, but let us look closely at this title for a moment.
First, it is making a very specific, physical reference. “It,” meaning this manuscript, is the same as what is in “It,” meaning Rumi’s most famous work, his six volume poem, the Masnavi. In other words, the Fihi ma Fihi provides explanations and keys to unlock the meaning of the Masnavi. The two works were written parallel to each other, and contain many references and stories that are continued from one to the other. This being true, it is quite surprising that Rumi’s discourses have not gained more attention. But this is only one of the title’s meanings, and by no means the most important. At another level, It Is What It Is asks us not to put into this manuscript more or less than what it is. It is not clothed in the high cloth of religious sanctity, nor does it speak as some authority. Rumi wants us simply to see it for what it is. He wants us to be emotionally honest and not to get carried away with the form. In other words, don’t become attached to the beauty of this vase, it is merely a holder of The Rose.
At the same time, “It” refers to God. Therefore God is what God is. This is the same as the Muslim saying, “There is no God but God.” In other words, Rumi asks, “What more is there to say?” All the words here, all the stories and explanations are saying nothing more than this. There is no more to reality than reality. God is. Reality is. It is what it is. Explanations cannot explain it. Words cannot reveal it.
And so, “It,” meaning the manuscript, is what “It,” meaning God or reality, is. Therefore, the Fihi ma Fihi is cut from the same cloth as reality, it is the same substance as God.
If you can see these many meanings, all swimming like fish in the ocean that is the title, then you will know how to read Rumi. May it also help you catch real fish as well. [Doug Marman, introdução a sua versão inglesa baseada na de A.J.Arberry, The Discourses of Rumi]
W M. Thackston, Jr.
Signs of the Unseen (Fihi ma fihi) is a collection of Rumi’s lectures, discourses, conversations, and comments on various topics. Most of the seventy-one sections contained in the book are representative of the loose, associative nature of a master Sufi’s “session” (majlis), or informal gathering with his pupils and disciples, during which the master expounds on one or more subjects. The topic may be introduced by a question or comment from one of those present; such sections often begin with the phrase, “So-and-So said,” or “Someone said.” In other sections we are given only the substance of Mawlana’s discourse. If some sections appear to contain many different topics without clear demarcation or transition from one topic to the next, this is due either to the informal nature of the session or to the original collators’ artificial assembling of various bits and pieces of Mawlana’s discourses in one section.
Although many, or even all, of the sections may have been written down during Rumi’s lifetime, it is fairly certain that the collection as a whole was not made until after his death. The form of the book is reminiscent of his father’s collection of discourses,15 which generally tend more toward the visionary (like section 34 of Signs of the Unseen).
Because Mawlana’s major works are in poetry and his ideas are often loosely developed or alluded to through the symbolic imagery of that genre, in many cases the discussion with his disciples preserved in Signs of the Unseen provides us with the most sustained exposition available of his thought on a given topic. Nonetheless, Rumi was everywhere poetic and laced his prose with much the same associative allusion that characterizes his emotive and imaginative didactic poetry. Not a systematic thinker himself, and even hostile by and large to methodical philosophers and rationalist theologians, Rumi nowhere organizes his ideas in a structured fashion. This is not to say that he was unacquainted with the technique of philosophical or theological argument, in which he had been well trained as a youth, for he does exhibit his facility with the style in more than one section of the discussion. However, ever chary of being forced into doctrinal terms, he generally prefers parable and symbol, not only for their elusiveness but more importantly because the symbolic is the only means available to the mystic to express realities beyond the intellect he wants to awaken within his audience. Most, if not all, writers of the mystical experience have been forced into the same position. Since their perception is beyond reason they are unable to communicate the experience in a rationally structured manner and must perforce resort to a symbolic treatment.
Note: The Arabic title of the book means literally “in it what is in it” and implies a miscellaneous collection of disparate pieces. The phrase appears to have been adopted from an Arabic occasional piece that occurs in Muhyiddin Ibn-Arabi’s al-Futuhdt al-makkiyya (Bulaq edition, II, 777): […] (“This is a book that contains what it contains, novel in its meanings. If you look closely at what Is in it, you will see that it contains pearls of wisdom.”) This title occurs on the cover of the manuscript used as the basis for editing up to section 45 (Fatih Library, Istanbul, No. 2760), dated A.H. 716 (a.D. 1317) it is also mentioned by Faridun b. Ahmad Sipahsalar in his Ahval-i Mawlana (p. 68), which was composed ca. 1320-30. On the other hand, manuscript H (Fatih Library, Istanbul, No. 5408), dated A.H. 751 (a.D. 1350) and used as basis from the middle of section 45 to the end, calls the book al-Asrdr al-jalaliyya (“Tremendous Mysteries,” or, punning on Rumi’s name Jalaluddin, “Jalalian Mysteries”). Rumi was not fond of Ibn-Arabi’s theosophical philosophizing and almost certainly would not have borrowed from his work; however, from the end of the thirteenth century on, Ibn-Arabi’s theories dominated Sufistic thinking to such an extent that it is not at all surprising to see this literary reference attached to Mawlana’s sessions. Kitab-i Fihi ma fihi was edited by Badi’uzzamän Furuzänfar. For translations see the bibliography. The discourses, like all of Rumi’s other works, are in Persian, with the exception of sections 22, 29, 34 (except the first phrase), 43, 47, 48 (except middle section), and 71, which are in Arabic, as are the numerous quotations from prophetic haditb, sayings of various Sufis, and Arabic poetry.
[Excerto da introdução de Signs of the Unseen. The Discourses of Jalaluddin Rumi. Introduction & Translation by W M. Thackston, Jr.]Gazel: poesia amorosa ou báquica, dos persas e dos árabes, que se compõe de vários dísticos. (N.d.T. ↩
É assim que o Prof. H. Z. Ülken o traduz in La pensée de l’lslam, Istambul, 1953, p. 308. ↩
Eva de Vitray-Meyerovitch: Mystique et Poésie en Islam, Djalal-ud-Din Rumi, Paris, Desclée de Brouwer, 1968, reed. 1972, p. 56,75 sq. ↩
Fihi-ma-fihi, trad. francesa (Le livre du Dedans), pp. 31 e 86. ↩
Ibidem, p. 152. ↩
Ibidem, p. 88. ↩
Ibidem, p. 151. ↩
Fihi-ma-fihi, trad. francesa, p. 236. ↩
Ibidem, p. 246. ↩
Cf. Aflaki, Manaqib-ul-Arifin, trad. C. Huart, t.I, p. 258: “Se nos entregássemos ao sono, quem socorrería todos esses desafortunados adormecidos? Responsabilizei-me por todos, para pedir a Deus por eles e fazer com que alcançassem a perfeição, para libertá-los de punições, para fazer com que atingissem níveis ascendentes do Paraíso, se é assim que Deus, o único, o deseja. ↩
Fihi-ma-fihi, trad. fr., p. 107. ↩
Ibidem. ↩
O Professor R.A. Nicholson, em um artigo do J.R.A.S. (Cent. Sup., 1924, p. 1-8) chama essa obra de “Table Talks” de Rumi, fazendo alusão a “Propos de Table” de Luther. O Professor Arberry, na tradução inglesa citada (Introd. p. 16), nota que alguns comentaristas, não citados, consideram que Fihi-ma-fihi significaria “pode-se encontrar neste livro o que está contido naquele livro”, ou seja o Masnavi, uma outra obra de Rumi sobre a qual falaremos mais tarde. Se é verdade que existem conexões entre uma obra e outra, e que é preciso confrontá-las, isto não nos parece suficiente para justificar a escolha do título dessa coletânea. ↩