O homem antigo e medieval era “objetivo” no sentido de que sua mente ainda era fortemente determinada pelo elemento “objeto”, tanto no nível das ideias quanto no das coisas sensíveis; ele estava muito longe do relativismo dos tempos modernos, que compromete a realidade objetiva ao reduzi-la a acidentes naturais sem significado superior ou qualidade simbólica, e também do “psicologismo” que questiona o valor do sujeito conhecedor e praticamente destrói a própria noção de inteligência. Falar de um elemento “objeto” nas ideias não é uma contradição, pois um conceito, embora seja obviamente um elemento subjetivo como um fenômeno mental, é ao mesmo tempo — e da mesma forma que qualquer fenômeno sensorial — um elemento objetivo para o sujeito que toma conhecimento dele; a verdade vem, por assim dizer, de fora, é oferecida ao sujeito, que pode aceitá-la ou não. Apegado, por assim dizer, aos objetos de seu conhecimento ou fé, o homem antigo relutava em dar um papel decisivo às contingências psicológicas; suas reações internas, por mais intensas que fossem, eram uma função de um objeto e, portanto, em sua consciência, tinham uma espécie de fascínio objetivo. O objeto como tal — o objeto considerado em termos de sua objetividade — era o real, a base, a coisa imutável, e, apreendendo o objeto, tínhamos o sujeito; o último era garantido pelo primeiro; é claro que esse é sempre o caso para muitos homens e, em certos aspectos, até mesmo para qualquer homem são, mas nossa intenção aqui — correndo o risco de parecer que estamos afirmando truísmos — é caracterizar posições cujas linhas de demarcação só podem ser aproximadas e cuja natureza é necessariamente complexa. De qualquer forma, ouvir complacentemente o sujeito é trair o objeto; em outras palavras, o homem antigo teria sentido que estava distorcendo-o ou perdendo-o ao prestar muita atenção ao polo subjetivo da consciência. É verdade que essa reflexividade pode, por sua vez, ter uma qualidade perfeitamente objetiva, assim como uma ideia recebida de fora pode ter um caráter subjetivo em virtude da atração sentimental e interesseira do sujeito, mas não é disso que estamos falando aqui; o que queremos dizer é que o homem da Renascença começou a analisar reflexões mentais e reações psíquicas e, assim, a se interessar pelo polo “sujeito” em detrimento do polo “objeto”; sendo “subjetivo” nesse sentido, ele deixou de ser um simbolista e se tornou um racionalista, porque a razão é o ego pensante. Isso explica o fascínio psicológico e descritivo dos grandes místicos espanhóis, um fascínio que foi confundido com superioridade e uma espécie de norma.
- “Objetividade” do homem antigo e medieval
- Da passagem do objetivismo ao subjetivismo no Renascimento, na Reforma e na Revolução
- Da perda das medidas objetivas das coisas
- Os antigos viviam ainda “no espaço”
- A mentalidade moderna busca tudo reduzir a categorias temporais
- Do resultado fatal da “reflexividade”
- A ciência moderna, outro exemplo desta perda do equilíbrio espacial próprio às civilizações contemplativas
- Existência da revelações, de religiões, de sabedoria, em todas as épocas e em todos os países
- O princípio, a extensão e o desenvolvimento de uma ciência ou de uma arte é função da Revelação
- A ciência não nos ensina nada sobre o que se passa no tempo
- A exatidão da ciência gravemente ameaçada pela psicanálise
- Porque a ciência nega tudo que vai além do sensível?
- A ciência moderna tem por efeito, entre outros, ferir mortalmente a religião
- A ciência moderna se apresenta no mundo como o principal e único fator de verdade
- Resultados vertiginosos da ciência mas os maus resultados prevalecem sobre os bons
- Da revolta contra o julgamento de Deus
- O que há de atroz naqueles que afirmam que “Deus está morto”
- O que é que explica a mística do nada e da angústia, da ação liberadora e do engajamento?
- Da necessidade de falsos absolutos sobre todos os planos
- O homem moderno se move no mundo como se a Existência nada fosse ou como se ele a tivesse inventado
- Deste milagre inicial — e por toda parte presente — que é o fato de existir
- Quando se confronta o mundo moderno com as civilizações tradicionais, trata-se de saber de que lado se encontra o mal menor
- Uma coletividade e seu bem-estar representam um valor absoluto?
- Papeis das civilizações tradicionais
- Do pecado de curiosidade de Adão
- O problema da teofania universal que é o mundo
- A Revelação, ruptura da carapaça existencial
- Qual é o protótipo da queda? O processo da manifestação universal ela mesma
- Da teoria do corpo humano como como metade de uma esfera
- Todo o processo cosmogônico se encontra de maneira estática no homem
- Para quem são o purgatório e o inferno?
- A indiferença, nos antípodas da impassibilidade espiritual
- No homem marcado pela queda, a ação abole a contemplação
- Dos dois pseudo-absolutos que comprimem e despedaçam o homem
- Aspecto fragmentário do homem da queda
- Parêntese sobre a virtude e a graça
- Da ação pecadora
- Que é que denominamos pecado?
- Da noção de barakah
- Permanecer na santa infância