Coomaraswamy (Buda) Asceta

Ananda Coomaraswamy — Pensamento Vivo de Buda
Ascetismo e Morte
Não é sem razão que o religioso é tratado de operário (samana, literalmente, “aquele que se esforça”, o exato equivalente semântico de “asceta”), ele não conhecerá repouso antes de se tornar aquele que “fez o de seu pensamento, não seu joguete. Aquele que Buda louva como “iluminador” da floresta onde vive na solidão, é o religioso que, regressando de sua viagem, de sua mendicidade, retorna ao seu assento de meditação, resolvido a não se levantar antes de se ter libertado dos fluxos. Para obter o que não foi ainda atingido, para verificar o que não foi ainda verificado, o religioso que abandonou o mundo por pura , que é ainda um discípulo, deve dar prova de virilidade, de heroísmo (viriyam — andreia, virtus) e tomar a mesma resolução do próprio Bodhisatta. “Possa eu só conservar a pele, os tendões e os ossos, enquanto minha carne e meu sangue secarem, em vez de me conceder um descanso na prática da virilidade antes de ter obtido o que se pode obter pela paciência humana, a virilidade e o progresso perseverante” (Samyutta_Nikaya II, 28; Majjhima_Nikaya I, 481; Anguttara_Nikaya I, 50; Jataka I, 70). “Eu me tornarei diferente da substância que constitui um mundo, eu extirparei a noção do “eu” e do “meu”, eu terei o domínio perfeito da gnose que não se comunica, eu verei claramente a causa e origem causai de todas as coisas”: tais são as intenções do religioso.

Como vimos, o desígnio original e fundamental (attha) do Bodhisatta era obter a vitória sobre a morte, e com efeito ele venceu a morte durante a noite do Grande Despertar; em seguida, ensinado a Lei Eterna, “ele abriu as portas da imortalidade” a outros. Podemos pôr à prova a eficácia do “Caminhar com Brahma” (que o religioso realiza de conformidade com seu ensinamento) perguntando-nos como o Arahant considera a morte de outro ou aguarda a sua própria. No que concerne à morte de outro, faz parte de sua disciplina estar “atento à morte”; refletir no fato de que todos os seres sem exceção, mesmo os deuses do mundo de Brahma, são, no fim de contas, mortais; não perdendo nunca de vista esta ideia, o religioso permanece impassível mesmo diante da morte de Buda, pois sabe que a corrupção e a dissolução são inerentes a todos os compostos: somente os noviços e os deuses inferiores choram e se lamentam quando “o Olho do Mundo” desaparece. A Índia repetia há muito tempo que a imortalidade do corpo é coisa impossível; portanto o Arahant sabe muito bem sua hora virá. O homem mediano, ignorante, “se lamenta, esmorece, chora e geme” quando o fim se aproxima; não o discípulo ariano que extinguiu os fogos do eu; sabe que a morte é o fim inelutável de todos os seres que nasceram; é para ele um axioma, e espera a morte perguntando-se somente “como fazer o melhor uso de minha força no acontecimento que se aproxima?” (Anguttara_Nikaya III, 56). Estando já morto para tudo o que é suscetível de morrer, espera com perfeita calma a dissolução do veículo temporal; pode dizer: “Não desejo a vida e não estou impaciente para morrer. Espero minha hora como um servidor espera seus salários; despojar-me-ei de meu corpo enfim, presciente, refletido” (Th, I, 606, 1002). Mesmo se o discípulo ariano — seja ele religioso ou ainda chefe de família — não terminou de fazer tudo o que tinha a fazer, tem ao menos a segurança que, voltando à existência alhures, segundo seus méritos, ser-lhe-á possível, também lá, trabalhar ainda no seu aperfeiçoamento. As palavras “Ó tumba, onde está tua vitória, ó morte, onde está teu aguilhão?”, poderiam ter saído dos lábios de Buda ou de qualquer verdadeiro budista. Para ele, não mais porvir, não mais sofrimento; se fica ainda a sofrer, não poderia ser por muito tempo, pois já está adiantado na longa estrada que leva ao Nirvana, e “em verdade, ele em breve atingirá o seu término”.



Ananda Coomaraswamy, Buda