Fizemos alusão acima ao surgimento espontâneo do verbo existir, um substituto necessário para o infeliz e desvalorizado verbo ser. Entretanto, por sua própria etimologia, o verbo latino exsistere conota uma referência à origem do ser que se diz existir: ex alio sistere. Ele subsiste (existe) a partir de um Outro, subsiste por meio de um Outro. Etimologicamente, portanto, não poderia ser aplicado ao Primeiro Princípio como um primeiro Ser, sem outra origem além de si mesmo; a fortiori, não poderia ser questionado no caso da hiperousia da metafísica ismaelita (cf. tradução, n. 113).
Deveríamos, no entanto, encontrar uma justificativa para a generalização da palavra no fato de que, se todos os seres que apreendemos por meio da experiência sensível existem dessa forma (ex alio sistunt), “é correto dizer que eles existem para significar o fato de que eles são” (cf. E. Gilson, ibid., p. 15). Acho que teria sido bastante difícil fazer com que um Mollâ Sadrâ ouvisse essa explicação. As expressões donyâ (este mundo inferior, com seu adjetivo donyâwî), ‘âlam al-molk wa l-sbabâdat (o mundo ou domínio do visível, o manifestado) são usadas para se referir ao mundo sensível, mas isso não implica de forma alguma que o termo wojûd deva ser reservado para ele. Longe disso, já que esse mundo é a sombra, e wojûd pertence eminentemente àquilo que projeta a sombra. Por outro lado, não podemos esquecer que a filosofia de nossos pensadores é sustentada por uma teosofia que combina a inspiração dos profetas e a experiência dos místicos. Esse é o significado profundo da identidade entre o anjo do Conhecimento e o anjo da Revelação (Inteligência Agente, Espírito Santo, Gabriel), e é por isso que o imediato dado não pode ser reduzido para eles ao da experiência sensível. Há uma apreensão direta, uma visão imediata dos seres espirituais, no nível da consciência imaginativa ou no nível da consciência intelectiva. Isso é apenas um lembrete das diferenças entre o curso tomado pelo pensamento especulativo no Oriente Islâmico e no Ocidente.
As vicissitudes do termo existência talvez nos mostrem a que essa diferenciação leva, em última análise. O fato de esse termo ter sido originalmente ligado à atualização no mundo sensível explica por que a metafísica queria buscar seu próprio objeto, libertando-se de qualquer compromisso com o “ser realmente existente”. Assim nasceu o termo relativamente moderno ontologie, para designar essa metafísica das essências que, no Ocidente, triunfaria com Fr. Suárez, mas inspirar desprezo e repulsa em Descartes. Descartes havia matado o escolasticismo, mas um homem como Christian Wolff, ao mesmo tempo em que nega qualquer tentativa de restauração, permanece consumido pela nostalgia do que era conhecido como a Primeira Filosofia, e não consegue se conformar com sua perda. Uma situação difícil. A ontologia era vista como “um léxico filosófico em uma linguagem bárbara, na qual termos filosóficos inúteis são explicados” (ibid., p. 164). No entanto, Wolff conseguiu, com uma genialidade que não é mais contestada hoje em dia, construir uma Ontologia methodo scientifica pertractata (1729), que é uma das mais rigorosas metafísicas da essência. Identificando o ser com a essência, definindo a existência como o complemento da possibilidade (complementum possibilitatis), Wolff não pode evitar fazer da existência um simples modo de essência, assim como Avicena (pelo menos o Shifâ) fez dela uma espécie de acidente. Para ser mais preciso, a existência não é uma questão para a ontologia, uma vez que a existência não é diretamente uma questão de ser e temos que deixar a ontologia para falar sobre ela. Se levarmos a análise de uma essência tão longe quanto quisermos, encontraremos apenas a possibilidade de existência, de modo que o ser é reduzido à essência, que é reduzida ao possível, “a ciência do ser como ser, ou ontologia, não pode de forma alguma explicar por que, em certos casos, certos possíveis privilegiados são dotados de existência” (ibid., p. 175). [CorbinSadra]