Deghaye (PDND) – o Deus que se revela

“Eu era um tesouro escondido; amei ser conhecido”. Essa afirmação da Teosofia Oriental explica perfeitamente o movimento que, em Boehme, leva a Deidade pura a emergir de seu repouso eterno para se manifestar. Esse movimento implica uma aspiração, um desejo. Podemos atribuir desejo a Deus? Deus não é, por excelência, o Ser autossuficiente? O desejo parece pressupor uma falta. Se Deus é tudo, como pode lhe faltar algo?

Boehme repete que Deus é tudo. Entretanto, tudo isso deve ter acesso ao Ser, pois em si mesma a Divindade primordial é puro Nada. É esse puro Nada que aspira a se manifestar e, para isso, algo deve estar lá para apoiá-lo, para que possa aparecer para nós e para si mesmo. Aspirar a ser conhecido é desejar esse algo. O ciclo de manifestação divina nos leva do puro Nada a alguma coisa.

Falar da Divindade primordial como puro Nada não significa de forma alguma professar o ateísmo. Para Boehme, este puro Nada é a transcendência absoluta. Sua existência é evidente, mas a Divindade primordial simplesmente nos escapa completamente. O que é em si mesma, não manifestada? Só podemos imaginá-la como a negação absoluta de tudo o que é, ou seja, de tudo o que está aberto à nossa percepção. Sua perfeita transcendência significa que é absolutamente separada do que somos e do que percebemos. De fato, nunca compreenderemos nada além de nosso próprio ser. Para se tornar conhecida, a Divindade terá de se adaptar a isso para poder viver.

Para usar a linguagem moderna, essa transcendência deve se tornar imanente. Agora, essa imanência só pode ser concebida em termos de algo que não existe desde toda a eternidade e que deve ser feito emergir do nada. É nesse algo que Deus se gerará para o homem e para si mesmo.

Essa geração é o fruto do desejo. O nascimento do desejo no próprio ventre da Divindade é o primeiro ato de sua manifestação. Mas então, todo o ciclo dessa manifestação é o do desejo.

A Divindade primordial é caracterizada por pura indeterminação. Portanto, está isenta de todo desejo. Boehme lhe atribui uma bem-aventurança que não é perturbada pelo desejo. Esta felicidade é verdadeira? Duvidamos se a compararmos com a alegria que surgirá do desejo no ciclo da manifestação divina. O desejo será doloroso, e a alegria irromperá em terror. Será o júbilo da luz que irrompe na escuridão. Essa alegria nascida do desejo e da dor supera a beatitude da perfeita eternidade. O verdadeiro Deus é aquele que nasce com ela, como com a luz. A Divindade suprema, o símbolo da transcendência absoluta, não passa de uma abstração para nós.

Portanto, o Deus que se revela é o Deus que gera a si mesmo por meio de seu próprio desejo. Na origem de sua manifestação, o Deus de Boehme aparece para nós como uma vontade que é transformada em desejo.

Jacob Boehme, Pierre Deghaye