Deus vê por meio deste olho primordial. O que Deus vê? Nada ainda foi criado. A Divindade só pode ver a si mesma. No entanto, esta Divindade, aberta ao infinito, ainda é nada para o olho. Só existe este olho, que é pura visão, sem nenhum objeto materializado.
No entanto, Deus se deleita com esta visão primordial, que, em última análise, se resume ao deleite divino. A visão simbolizada pela Sabedoria no início dos caminhos divinos é puro deleite. É exatamente isso. No momento em que a Divindade inicia seu movimento de emanação, oferece este curioso paradoxo de uma contemplação que é reduzida a um olho, de uma visão que não é estritamente uma percepção.
No início de seus caminhos, Deus é um olho, mas Deus não vê a si mesmo. Da mesma forma, Deus é uma inteligência, mas nesse nível Deus não conhece a si mesmo. O bem soberano, por si só, não conhece a si mesmo. Para que seja capaz de compreender a si mesmo, deve haver algo além dele.
No entanto, a complacência de Deus em sua Sabedoria dá origem ao desejo de realmente conhecer a si mesmo, ou seja, de saborear a si mesmo, de se tornar perceptível para si mesmo. Em outras palavras, Deus se dotará dos sentidos que lhe permitirão perceber efetivamente. Havia o olho, mas não era, estritamente falando, um órgão dos sentidos. A primeira visão não foi uma verdadeira contemplação, no sentido pleno da palavra. O sentido da visão ainda não havia nascido. Mas, além disto, se o conhecimento é alcançado por meio da contemplação, a contemplação é uma visão na qual todos os sentidos desempenham seu papel. Quando plenamente exercitado, o olho reúne todos os sentidos.
Um astrônomo famoso, que foi educado na teosofia de Boehme, apresentou a hipótese de um sensorium divino que era o céu, o éter. Este homem da ciência chamava-se Newton. Foi repreendido por Leibniz por ter atribuído sentidos a Deus. Que escândalo para um filósofo moderno! De fato, há aqui uma oposição radical entre duas formas de mente, a mentalidade de Boehme e todo o pensamento idealista.
É claro que, dessa forma, estamos atribuindo significados espirituais a Deus. Os místicos cristãos acreditavam na existência de sentidos espirituais, que representavam por analogia com nossos sentidos materiais, mas em um nível diferente. Entretanto, os atribuíam à criatura renovada, enquanto Boehme os atribui a Deus. É verdade que estamos falando sobre o Deus emanado, não sobre a Divindade em si, que é a Deidade insondável.
A sabedoria se encarnará sob o aspecto desse Deus que tem acesso à vida dos sentidos, ou melhor, à própria vida, porque a Deidade eterna não é o Deus vivo. A vida só surge no ciclo de emanação septiforme. Boehme afirma explicitamente que a Deidade pura não conhece a vida.
Deus nascerá à imagem de uma criatura humana. Deus terá sentidos. Sua inteligência florescerá de sua sensibilidade. O Deus de Boehme terá uma alma nascida de seu desejo e identificada com este desejo.
O ciclo de sete anos descreve o nascimento desta alma de Deus que Boehme chama de alma eterna. É na alma que o espírito se manifesta.