Trad. de Nair Lacerda
O AR, SÍMBOLO DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO
O Ar é o símbolo do Espírito Santo, que “sopra onde quer” (João III, 8) e que se manifestou aos Apóstolos no dia de Pentecostes como um vento impetuoso (Atos II, 2). A graça do batismo faz do homem o templo do Espírito Santo: “O Espírito daquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós” (Rom. VIII, 11); pela confirmação, o batizado recebe de maneira especial o Espírito Santo e seus sete dons1, a fim de ser fortalecido na fé e capaz de combater por Jesus Cristo (segunda meditação da ação: o Combate).
Os sete dons formam um conjunto harmonioso sob diversos pontos de vista. A ordem habitual em que se anunciam os dons é a seguinte: Sabedoria, Inteligência, Ciência, Conselho, Piedade, Força e Temor de Deus. No que se refere à perfeição, o menos perfeito é o Temor de Deus, e o mais elevado é o dom da Sabedoria. Os quatro primeiros dons, Sabedoria, Inteligência, Ciência, Conselho, são chamados dons intelectuais, porque iluminam a inteligência, enquanto os três outros, chamados às vezes dons afetivos, fortificam a vontade. Entre os dons intelectuais, os da Sabedoria, da Ciência e da Inteligência produzem em nós a contemplação; os outros são, então, chamados dons ativos.
Os dons correspondem às virtudes (segunda meditação da ação) que eles aperfeiçoam e cujo exercício tornam fácil:
- o dom de Conselho aperfeiçoa a Prudência,
- o dom da Piedade aperfeiçoa a Religião, virtude anexa da Justiça,
- o dom da Força aperfeiçoa a virtude da Força,
- o dom do Temor aperfeiçoa a Temperança.
Essas quatro virtudes são chamadas cardiais porque são fundamentais em relação às outras virtudes; as três seguintes são as virtudes teologais da Fé, da Esperança e da Caridade, que têm Deus diretamente como objeto:
- o dom da Ciência e o dom da Inteligência aperfeiçoam a Fé,
- o dom do Temor aperfeiçoa a Esperança,
- o dom da Sabedoria aperfeiçoa a Caridade.2
É nessa ordem que vamos estudar a natureza e os efeitos de cada um desses dons:
a) O dom de Conselho aperfeiçoa a virtude da Prudência em nós, levando-nos a julgar pronta e seguramente, por uma espécie de intuição natural, o que convém fazer, sobretudo nos casos difíceis.
Os dons da Ciência e da Inteligência dão-nos os princípios gerais, mas o dom do Conselho nos faz aplicá-los aos casos particulares que se nos apresentam.
b) O dom da Piedade aperfeiçoa a virtude da Religião, que está ligada à Justiça, fazendo nascer em nós uma piedade filial para com Deus, uma verdadeira devoção pelas Escrituras e pela pessoa dos Santos, e uma afeição real por todos os que estão em luta com as misérias desta vida3.
O dom da Piedade, portanto, nos faz passar do temor servil ao amor filial, de uma religião exterior e mercantil à adoração do verdadeiro Deus em espírito e verdade (João IV, 23) segundo o Espírito de adoção que recebemos (Rom. VIII, 15).
c) O dom da Força aperfeiçoa a virtude da Força e nos dá a energia e a confiança necessárias para vencer todos os obstáculos que se erguem no caminho da beatitude eterna.
d) O dom do Temor aperfeiçoa a virtude cardial da Temperança, arrancando-nos às ilusões do mundo criado, e a virtude teologal da Esperança, levando-nos a temer desagradar a Deus e a sermos separados dele.
Esse dom serve de fundamento seguro para todos os outros dons, bem como todas as virtudes: não se trata de ter medo de Deus, nem temor do inferno, mas do respeito filial que nos aproxima de Deus e nos leva a retificar aquilo que em nós possa desagradar-lhe4.
e) O dom da Ciência não se refere nem à ciência da natureza, nem mesmo à ciência teológica adquirida pelo estudo (nesse caso, tratar-se-ia da Ciência, virtude intelectual), mas aperfeiçoa a virtude da Fé em nós, levando-nos a conhecer as coisas criadas em seu relacionamento com Deus, isto é, enquanto elas nos conduzem a Deus.
Essa ciência sagrada nos leva, pois, a considerar o Universo com os olhos da fé e descobrir os traços e os símbolos da ação divina no mundo.
f) O dom da Inteligência tem um objetivo mais vasto do que o dom da Ciência, embora, como ele, aperfeiçoe a virtude da Fé. Ele nos leva, realmente, a penetrar nas verdades reveladas pelas Escrituras e nos dá o sentido íntimo dessas verdades.
É esse dom que nos faz reconhecer o sentido espiritual ou simbólico das Escrituras, que nos faz aceitar como eficazes os sinais sensíveis dos sacramentos, e nos leva facilmente a contemplar as misteriosas relações que ligam as causas aos efeitos.
g) O dom da Sabedoria aperfeiçoa a virtude da Caridade. É ele quem nos faz discernir e julgar Deus e as coisas divinas em seus princípios mais elevados, e que também nos faz apreciá-los.
Esse dom é, ao mesmo tempo, luz e calor: ele esclarece a inteligência e anima a vontade para chegar a esse conhecimento saboroso das coisas divinas que é a verdadeira teologia na qualidade de ciência de Deus.
Esses três últimos dons, os dons intelectuais, concorrem diretamente para a contemplação: o dom da Ciência nos leva a julgar judiciosamente as coisas criadas em seu relacionamento com Deus; o dom da Inteligência nos manifesta a harmonia íntima das verdades reveladas; o dom da Sabedoria leva-nos a julgá-las, a apreciá-las e a gozá-las. Esses três dons nos fornecem um conhecimento experimental das coisas divinas, não pelo raciocínio, mas por uma intuição profunda que é a única a explicar a ação do Espírito Santo em nós.
Os dons do Espírito Santo são enumerados segundo Is. XI, 2-3. O original hebreu enumera seis, mas redobra o sexto (temor de Deus) que a Versão dos Setenta e a Vulgata traduzem por “piedade e temor de Deus”. Mas os grandes autores divergem quanto à interpretação dessa passagem. São Tomás de Aquino segue São Gregório, o Grande, que é oposto a Santo Agostinho, que segue São Boaventura. É preciso, pois, evitar o apego demasiadamente rígido a um só sistema. Seguimos, aqui, a interpretação comumente aceita de São Tomás. V. Bartmann. Précis de Théologie dogmatique. Paris, Casterman, 1947. t. II, p. 124; v., igualmente, a quinta parte do Breviloquium de São Boaventura, que apresenta uma doutrina original dos dons do Espírito Santo. ↩
A propósito da correspondência entre as virtudes, os anjos, os santos e o septenário do Pater Noster, v. Jean Tourniac. Symbolisme maçonnique et Tradition chrétienne, cap. III.) ↩
É o ensinamento de São Tomás (II, II, q. 121, a.1, ad 3) que retoma, sobre esse ponto, o de Santo Agostinho. Mas não se trata apenas dos que são miseráveis no plano material. ↩
O temor das criaturas nos afasta delas; o temor de Deus nos aproxima dele. A psicologia moderna insistiu, suficientemente, sobre os medos irracionais que uma religião de terror ensinada à criança deixam no adulto. Não se pode contradizê-la nesse ponto, mas é preciso mostrar que não se trata senão de uma caricatura do cristianismo. ↩