Sohravardi — Arcanjo Empurpurado — Epístola das Altas Torres (Henry Corbin: Tradução do árabe)
As duas formas do título são as seguintes:
a) Uma primeira forma é dada no verso 1: “Palavras de sabor místico e atingidas por um desejo ardente” (Kalimât dhawqîya wa-nikât shawqîya). O comentarista enfatiza as intenções do autor, apontando que, em todos os seus livros, Shaykh al-Ishraq se refere ao próprio conhecimento do místico como “luz do coração” (nûr al-qalb). Essa luz do coração é essencialmente uma questão de gosto íntimo, de experiência interiormente saboreada; esse é o significado do latim sapere, e se o significado do adjetivo não tivesse evoluído, poderíamos traduzi-lo etimologicamente como “palavras sapienciais”. Essa “sapiência” caracteriza o que Sohravardi contrasta como hikmat dhawqîya (sabedoria divina, teosofia oferecida ao paladar íntimo que só ele pode saborear) com hikmat bahthîya, filosofia teórica e dialética. Em suma, essas duas palavras marcam o contraste entre a teosofia iluminativa, a dos “orientais” no sentido metafísico da palavra (hikmat al-Ishraqiyun) e a filosofia dos peripatéticos (hikmat al-Mashshâyîn). Esse é o propósito do “Livro de Teosofia Oriental“, que é dirigido apenas àqueles que possuem tanto o conhecimento filosófico quanto a experiência espiritual do místico.
Quanto ao segundo termo que compõe o título em sua primeira forma, nikât shawqîya, o comentarista aponta que ele é um acréscimo bem-vindo ao primeiro. O propósito das “palavras” é enunciar algo; o fato da enunciação implica que há uma literalidade na declaração, e essa literalidade é seu aspecto exotérico (zahir). Mas o qualificador dhawqîya já anuncia que essas palavras contêm um significado esotérico oculto (batin), que só pode ser compreendido pelo gosto íntimo que é próprio do homem de desejo. A palavra nikât é o plural de nokta. A raiz nkt conota o significado de golpear o chão, seja com uma vara ou com a mão ou o pé, e deixar uma marca. Nikât refere-se aos rastros e impressões deixados no chão (daí a palavra nokta, plural nokat, que significa sutil, golpear, etc.). Nesse caso, estamos falando de impressões ou traços que trazem a marca do desejo ardente, e essas impressões indicam o significado oculto das “palavras de sabor místico” propostas para a compreensão do gosto íntimo.
b) Quanto à outra forma na qual o presente opúsculo de Sohravardi também é intitulado, é a que mantivemos aqui: “A Epístola das Altas Torres” (Risâlat al-abrâj). A palavra borj é bem conhecida em árabe, onde é simplesmente uma transcrição do grego pyrgos, “torre”, que é encontrada no Ocidente medieval na forma alemã Burg, castelo-fortaleza (o Burg do Graal, por exemplo). No tratado anterior, o “Vade-mecum dos Fiéis do Amor“, encontramos a ideia do castelo-fortaleza em uma dupla exemplificação: por um lado, o castelo-fortaleza da alma, em persa Shahrestân-é Jân, designando o universo dos seres espirituais, o mundo do anjo; por outro lado, o castelo-fortaleza do microcosmo. Era este último que tinha de ser atravessado para se avançar até a fortaleza da Alma. É exatamente isso que acontece no presente tratado, e é também, como veremos mais adiante, o que faz a ligação especial entre o “Vademecum” e a “Epístola das Altas Torres”.
Sobre o assunto da palavra borj, o comentarista Mosannifak observa que a forma plural comum da palavra é borûj. Nessa forma, a palavra é comumente usada para designar os signos do zodíaco, as doze “altas torres”, “masmorras” ou “castelos” celestes que são as constelações zodiacais (conforme ilustrado pela iconografia de certos tratados de cosmografia). Quanto ao plural abrâj que aparece no título desse tratado, Mosannifak o vê como uma forma pouco usada, um plural de plurais (formado no plural borûj). Entretanto, embora Sohravardi dê preferência à forma abrâj, às vezes ele também usa a forma borûj. Sua intenção é, sem dúvida, evitar qualquer confusão com o significado comum da palavra borûj, pois não estamos falando aqui dos signos do zodíaco na astronomia física. Estamos falando das altas torres, em número de dez, que ladeiam a cidadela do microcosmo e que devem ser conquistadas para se chegar à fortaleza da Alma — essas altas torres desempenham o papel defensivo, por assim dizer, do Céu dos Fixos (céu zodiacal) em relação à Esfera das Esferas. Conquistar essas altas torres é ir além delas, e só é possível ir além delas “interiorizando-as”, ou seja, elevando-as ao nível do mundo imaginário, que é a única maneira de abrir o caminho para a fortaleza da Alma. Daí a mandala, imaginariamente organizada na forma de uma cidadela com dez torres. A subida dessa cidadela é característica do presente tratado, assim como a subida do castelo do microcosmo era característica do caminho iniciático proposto no “Vade-mecum”. Apontaremos as semelhanças a seguir. Em ambos os casos, essa ascensão é outra configuração simbólica da “jornada de retorno” descrita como uma navegação cheia de acontecimentos no “Relato do Exílio Ocidental”.
É por isso que preferimos a segunda forma do título aqui. De fato, a primeira forma, “Palavras de sabor místico e golpes de desejo ardente”, poderia facilmente ser usada para intitular outros tratados místicos de Sohravardi. Embora seja muito apropriado aqui como um subtítulo, as “altas torres” são uma indicação melhor da originalidade do presente tratado, pois oferecem imediatamente à visão interior a estrutura dentro da qual o autor encena a travessia da cidadela do microcosmo no mundus imaginalis.
Essa travessia é o momento central da Epístola. A Epístola é apresentada como uma série de estrofes, que foram numeradas para facilitar a citação. Há quatro partes principais: i) A primeira parte (estrofes 1 a 12) é essencialmente uma exortação. 2) A segunda parte (estrofes 13 a 18) evoca o exemplo dos grandes místicos. 3) Depois vem (estrofes 19 a 28) a subida das altas torres da cidadela do microcosmo. 4) No final dessa subida, o místico vê o mundo do Anjo se abrir diante dele, as presenças espirituais para as quais a nostalgia do exílio já o havia direcionado nos relatos anteriores (estrofes 29 a 31).