Seja como for, com o estabelecimento da “existência” como o conceito central de ambos os sistemas, temos agora uma base filosófica comum sobre a qual estabelecer um diálogo meta-histórico entre Ibn Arabi, de um lado, e Lao-tzu e Chuang-tzu, de outro. Com isso em mente, vamos revisar os pontos principais dos dois sistemas filosóficos que já analisamos em detalhes nas páginas anteriores.
Gostaria de salientar desde o início que a estrutura filosófica de ambos os sistemas como um todo é dominada pelo conceito da Unidade da Existência. Esse conceito é expresso em árabe por wahdah al-wujud, literalmente a “unicidade da existência”. Para expressar o mesmo conceito básico, Chuang-tzu usa palavras como t’ien ni “Nivelamento Celestial” e t’ien chun “Equalização Celestial”.
As próprias palavras “nivelamento” e “equalização” sugerem claramente que a “unidade” em questão não é uma simples “unidade”, mas uma “unidade” formada por muitas coisas diferentes. A ideia, em resumo, é a seguinte. Na verdade, existem coisas diferentes, mas elas são “equalizadas” umas com as outras, ou “niveladas” até o estado de “unidade”, perdendo todas as suas distinções ontológicas em meio ao Caos metafísico original. Em termos mais breves, a “unidade” em questão é uma “unidade” de “multiplicidade”. O mesmo se aplica ao “wahdah” de Ibn Arabi.
Em ambos os sistemas, o mundo inteiro do Ser é representado como uma espécie de tensão ontológica entre Unidade e Multiplicidade. A unidade na visão de mundo de Ibn Arabi é representada por haqq, “Verdade” ou “Realidade”, enquanto na visão do taoismo é representada pelo tao, “Caminho”. E a multiplicidade é para Ibn Arabi o mumkinat ‘seres possíveis’, e para Lao-tzu e Chuang-tzu o wan wu, ‘dez mil coisas’.
tajalli
haqq->mumkinat
sheng
tao->wan wu
E a relação entre os dois termos da tensão ontológica é a da Unidade. É uma Unidade porque todas as coisas que constituem a Multiplicidade são, afinal de contas, muitas formas fenomênicas diferentes assumidas pelo Absoluto (a Verdade e o Caminho, respectivamente). O processo fenomênico pelo qual o Um original se diversifica em Muitos é considerado por Ibn Arabi como o tajalli, “auto-manifestação” do Um, e por Lao-tzu e Chuang-tzu como sheng “produzindo”. E Chuang-tzu, em particular, elabora ainda mais essa ideia na Transmutação universal, wu hua, lit. “coisas que se transformam”.
Essa é a ampla estrutura conceitual que é compartilhada pelas visões de mundo de Ibn Arabi e dos sábios taoístas. Em sua totalidade, a estrutura é construída sobre o conceito mais básico de “existência”. A seguir, examinaremos, em termos dessa estrutura e em termos desse conceito básico, os principais pontos de ênfase que caracterizam os dois sistemas filosóficos.