O Taittirya Upanixade tem um aspecto muito curioso — a divisão do Universo em grupos de cinco, chamados as ‘grandes combinações’ que se referem ao mundo, aos astros, ao entendimento, à descendência e ao próprio homem.
Quanto ao mundo, a terra é considerado como o primeiro elemento, e o firmamento o último, o espaço é tido como o elemento de ligação e o vento é o operante dessa ligação.
Quanto aos astros, o fogo é tido como o primeiro elemento, e o ‘sol o último, a água é tida como o elemento de ligação e o relâmpago o operante da ligação.
Quanto ao entendimento, o mestre é o primeiro elemento e o discípulo o último, o entendimento é tido como o elemento de ligação e o ensino é o operante da ligação.
Quanto à descendência, a mãe é o primeiro elemento e o pai o último, enquanto o filho é o elemento de ligação e a procriação o operante da ligação.
Quanto ao próprio homem, o maxilar superior é o primeiro elemento, e o inferior o último, a fala é tida como o elemento de ligação e a língua é o operante da ligação (23).
É ainda neste Upanixade que se encontram algumas curiosíssimas afirmações sobre a comida e o seu elogio. Vejamos algumas passagens do texto:
“Todas as espécias e raças de criaturas que têm o seu refúgio na terra são geradas da comida; por conseguinte, eles também vivem da comida e é à comida que eles regressam no fim e por fim. Por ser a mais antiga das coisas criadas, a comida é conhecida como a Matéria Verde do Universo. Na realidade, aqueles que adoram o Eterno como comida, atingem o domínio máximo sobre a comida; porque a comida é a mais antiga das coisas criadas e, por isso, eles chamam-na a Matéria Verde do universo. Todas as criaturas nascem de comida e crescem através dela. Observai, ele é comida e come, pois devora as criaturas que se alimentem dela, e, por isso, é chamada comida e vem do comer.
Há, porém, um segundo a íntimo Ser que é diferente da substância da comida. É constituido da matéria vital chamada PRANA. E o Ser do prana enche o Ser da comida. O Ser do prana é feito à imagem do homem tal como o homem é a imagem do outro, assim é ele a imagem dó homem. O Sopro principal situa-se na sua cabeça, o sopro dominante no seu lado direito e o seu sopro inferior no seu lado esquerdo; o espaço é o seu espírito e o seu próprio ser, a terra é o seu membro inferior no qual ele descansa”. (24) O segundo elogio dos alimentos é dado em termos de uma história que termina, surpreendentemente, num canto delirantemente vitorioso da comida.
“Bhrigu, filho de Varuna, foi ter com o seu pai e disse: -‘Senhor, falai-me sobre Brahman’. Varuna respondeu-lhe:
– ‘Comida, sopro, vista, audição, intelecto e fala. Aquilo do qual todos os seres são gerados, através do qual nascem e vivem e ao qual regressam quando morrem, é o que tu
deves querer entender. Aquilo é Brahman’.
Bhrigu pôs-se a praticar mortificações e tendo-se mortificado veio a entender que Brahman é alimento, porque é indubitavelmente do alimento que todos os seres nascem, vivem e quando morrem transformam-se ainda em alimento. Entendendo isso ele aproximou-se outra vez do seu pai e pediu-lhe outra vez:
-‘Senhor, falai-me sobre Brahman’. O seu pai respondeu-lhe:
-‘Tenta entender Brahman pela auto-mortificação. Brahman é mortificação’.
Bhrigu mortificou-se outra vez e depois de longa mortificação entendeu que Brahman é o sopro, porque é, sem dúvida, do sopro que todas as criaturas são geradas e vivem, e integram-se nele quando morrem. Entendendo isso, Bhrigu aproximou-se de Varuna e repetiu:
-‘Senhor, falai-me sobre Brahman’. O seu pai replicou:
-‘Tenta entender Brahman através da auto-mortificação. Brahman é mortificação’.
Bhrigu mortificou-se ainda outra vez a tendo entendido que Brahman é o intelecto porque é dele que os seres nascem e vivem, e integram-se nele depois da morte, aproximou-se outra vez do seu pai e pediu-lhe:
-‘Senhor, falai-me de Brahman’. Varuna replicou-lhe outra vez:
-‘Tenta entender Brahman através da auto-mortificação. Brahman é mortificação’.
Bhrigu regressou às mortificações e entendeu que Brahman é o entendimento porque é do entendimento que todos os seres são gerados, é pelo entendimento que eles vivem, é no entendimento que eles se integram depois da morte. Aproximou-se então do seu pai e pediu-lhe:
-‘Senhor, falai-me de Brahman’. Varuna replicou:
-‘Tenta entender Brahman através da auto-mortificação. Brahman é mortificação’.
Bhrigu mortificou-se mais uma vez e entendeu por fim que Brahman é a felicidade suprema. É, sem dúvida, que todos os seres são gerados da felicidade suprema, e tendo nascido dela, nela vivem e nela se integram quando morrem.
Esta é a sabedoria de Bhrigu, filho de Varuna, e está firmemente baseada no mais alto dos céus. Aquela que entende isso tem uma base firme e torna-se o possuidor de comida, um comedor de comida, rico em descendência e gado, rico em fama e na força vital de Brahman.
A comida não deve ser desprezada. Esta é uma ordenação sagrada:
De fato, o sopro é a comida. O corpo alimenta-se da comida e ele próprio está dependente do sopro, e o sopro, por sua vez, depende do corpo. A comida, portanto, depende da comida.
Aquele que entende que a comida depende e está firmemente baseada na comida, tem ele próprio uma base firme. Ele torna-se o possuidor da comida e o comedor da comida, rico em descendência, gado, e na força vital de Brahman, e rico em fama.
A comida não deve ser desperdiçada. Esta é uma ordenação sagrada:
As águas são, na realidade, comida; a luz alimenta-se da comida e por sua vez depende das águas, enquanto que as águas dependem por seu turno da comida. A comida, portanto, depende da comida.
Aquele que entende que a comida depende da comida, tem ele próprio uma base firme; torna-se o possuidor da comida e o comedor da comida, rico em descendência, gado, e na força vital de Brahman, e rico em fama.
A comida deve ser multiplicada. Esta é uma ordenação sagrada:
A terra é, na realidade, a comida; o espaço alimenta-se da comida e é ele próprio dependente da terra, enquanto a terra, por seu turno, depende do espaço. A comida, portanto, depende da comida.
Aquele que entende que a comida depende e está firmemente baseada na comida, tem ele próprio uma base firme; ele torna-se o possuidor da comida, e um comedor da comida, rico em descendência, gado, e na força vital de Brahman, e rico em fama.
Em sua própria casa, ninguém deve negar hospedagem a ser algum Esta é uma ordenação sagrada:
Por todos os meios possíveis o indivíduo deve acumular a comida num largo celeiro. Dum homem como este o povo diz: `Este foi afortunado no seu abastecimento da comida’. Ela deve ser excelentemente preparada para os outros, tal como é excelentemente preparada para si; ela deve ser razoavelmente preparada para os outros, tal como é razoavelmente preparada para si; ela deve ser pessimamente preparada para os outros, tal como é pessimamente preparada para si; para o homem que entende isso.
A facilidade da fala, a aquisição e preservação do inspirar e expirar, a ação das mãos, o movimento dos pés e a excreção são sinais da vitalidade humana efetuados pela comida.
E agora, os sinais dos fenômenos naturais: a suficiência da chuva, a força no relâmpago, o esplendor no gado, a luz nas constelações, o poder de procriação, a imortalidade e a felicidade nos órgãos da procriação, o Eterno no espaço.
Se o homem adora a comida como uma base firme, ele próprio torna-se uma base firme. Se ele a adora como grande, ele próprio torna-se grande. Se ele a adora como intelecto, ele próprio torna-se intelectual. Se ele a adora como homenagem, todos os desejos o homenagearão. Se ele a adora como Brahman, ele próprio possuirá Brahman. Se ele adora como aquilo que morre à volta de Brahman, enquanto Brahman existe continuamente, os seus inimigos, rivais, e os que lhe desejam mal e os amigos falsos morrerão à sua volta.
Esse que existe aqui no homem, e lá no sol, — esse é a Unidade.
O homem que entende isto, vai depois da morte junto do ser que é a comida, vai junto do ser que é sopro, vai junto do ser que é intelecto, vai junto do ser que é entendimento, vai junto do ser que é a felicidade; então ele vagueia ao seu prazer por todos estes mundos, comendo o que lhe apetecer, modificando o seu aspecto ao seu belo prazer: e sentando-se, ele ergue este canto: -‘Bravo! Bravo! Bravo!
Eu sou a comida! Eu sou a comida! Eu sou a comida! Eu sou o comedor da comida! Eu sou o comedor da comida! Eu sou o comedor da comida! Eu sou o poeta! Eu sou o poeta! Eu sou o poeta!
Eu sou o primogênito da lei universal, a Rita, anterior aos deuses no umbigo da imortalidade! Aquele que fizer de mim uma oferenda presta-me, na realidade, um socorro.
Eu sou a comida e o comedor da comida! Eu subjuguei o mundo inteiro!
Aquele que entende isso brilha com uma luz doirada.” (25)
Retirado da tese de doutorado de Selma de Vieira Velho, A Influência da Mitologia Hindu na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI e XVII.
Notas
(23) TAITTIRYA UPANIXADE: Cap.I, Ver: 1-4
(24) TAITTIRYA UPANIXADE: Cap. 2, Ver:2
(25) TAITTIRYA UPANIXADE: Ciclo 3: Cap. 1-10