A meditação de Boehme sobre Deus e a natureza divina se desenvolve em torno de três temas principais: os três princípios, as sete qualidades ou formas e “aquele quarto termo que Deus opõe a si mesmo para poder refletir e ver a si mesmo nele, para assim se tornar plenamente consciente de si mesmo e, subsequentemente, para poder realizar a si mesmo”, que tem vários nomes: Sophia, Sabedoria Divina, Virgem Eterna, Sabedoria Eterna de Deus. Como acabamos de ver, Johann Georg Gichtel adotou fielmente a doutrina dos três princípios. Embora seja relativamente discreto com relação à teoria das sete forças, dá um espaço considerável à Sabedoria Divina.
Não encontramos na Theosophia practica nenhuma lembrança precisa da exegese grandiosa das sete qualidades, já esboçada na Aurora e depois gradualmente refinada nos escritos de 1619-1620. É claro que cita com frequência as sete formas, mas nunca entra em detalhes sobre elas. Quando o faz, é apenas para listá-las, sem defini-las. Na maioria das vezes, simplesmente as agrupa dentro dos três princípios. Um texto importante, por exemplo, datado de 1697, afirma que o primeiro dos três princípios inclui as quatro primeiras formas, que a quinta forma corresponde ao segundo princípio, o princípio da luz, e que abrange o que chama em outro lugar de “a vida paradisíaca em grande alegria”. A sexta forma refere-se ao princípio material. Quanto à sétima, corresponde a Sophia. Em outro lugar, parece equiparar essas sete qualidades aos sete espíritos do Apocalipse, formando o “salniter celestial, o corpo celestial, a terra celestial”. Comenta que esse é “o mistério mais profundo que já foi revelado”, e que somente a oração lhe permitiu penetrar. Quando analisarmos a criação do mundo, veremos que essas sete formas também estruturam a história da criação, e que cada uma delas corresponde a um dia no Gênesis. Da mesma forma, na jornada do novo nascimento, Gichtel gosta de traçar paralelos entre os sete princípios da natureza eterna e os sete estágios da regeneração. Mas o teosofista sempre parece ignorar a poderosa descrição detalhada das forças orgânicas, atração, repulsão, redemoinho de sangue, fogo, amor, som e corpo.
Se a doutrina das sete formas perde parte de seu poder, a análise do corpo celeste que pressupõe culmina na reiteração fiel do dogma da Sabedoria divina. Johann Georg Gichtel é notavelmente preciso sobre esse “mistério” que “lhe permitiu progredir no cristianismo”. Diz que refletiu longamente sobre os textos testamentários, especialmente sobre Siraque (Ben Sira, o suposto autor de Eclesiástico), “que introduz seu discurso sobre a Sabedoria no capítulo 24”, e sobre os textos de Boehme. Anotou cuidadosamente os vários nomes que a tradição dá à Virgem Eterna. Em uma carta de 4 de abril de 1699, lista os oito nomes que Jacob Boehme dá à Virgem celestial, especificando os oito graus de sua ação e revelação. Quatro dizem respeito à natureza divina eterna, e quatro à intervenção histórica da Sabedoria em Adão, Maria, Cristo, criaturas e coisas criadas. Consideremos aqui os quatro primeiros: a Sabedoria é, antes de tudo, o olho do Absoluto (Ungrund). Deus vê a si mesmo nesse olho. Em seguida, a Sabedoria é a Palavra eterna, que o Pai falou desde toda a eternidade. É o Fiat pelo qual todas as coisas foram criadas. É o mundo angélico luminoso, “a morada da Santíssima Trindade e a corporeidade do Espírito Santo”. Surgem dois temas principais. A sabedoria desempenha um papel no processo de criação. A sabedoria também é o corpo de Deus. A natureza eterna é perfeita porque é composta de um espírito, o espírito divino, realizado nos três princípios, e um corpo, nascido da imaginação do espírito divino.
Em todas as suas obras, o teosofista tenta esclarecer o papel da Sabedoria na natureza divina. Sem dúvida, o que mais o atraiu foi a noção de corporeidade celestial. Graças a ela, será capaz de descrever o novo nascimento não apenas como um processo espiritual, mas também como um processo corpóreo, como um nascimento total e abrangente, o Pleroma Paulino. Assim, como Böhme, conhece muitos sinônimos para os termos alemães, corps, corporéité. Para dar mais força ao conceito, frequentemente fala de corpo-poder, corpo-energia. Gosta também das expressões Ternarius sanctus, ou tintura eterna, que lhe permitem enfatizar a atividade suprema da Sabedoria, que é exercida com tanta força quanto a tintura alquímica que trabalha no corpo para transmutá-lo. Está bem ciente de que o trabalho formativo da Sabedoria não deve ser confundido com a criação do mundo externo. A Sabedoria é o espelho de Deus. O Deus de Gichtel, assim como o de Böhme, não pensa simplesmente no mundo antes de criá-lo. Imagina-o. O mundo externo tem um modelo verdadeiro, um arquétipo verdadeiro dentro da natureza divina. É exatamente a Sabedoria que permite que Deus forme essa imagem do mundo puro. Nesse espelho, Deus “brinca” com as ideias da criação, “anjos e homens… espíritos sem corpos… desde toda a eternidade, antes da criação dos anjos”. Portanto, seria errado dizer que a Sabedoria é uma hipóstase. “Ela não é uma pessoa da Trindade… é o corpo da Trindade, e a carne e o sangue de Cristo”. Um plano, um modelo preexistente da criação, um intermediário entre Deus e a natureza, ela completa e aperfeiçoa a natureza divina eterna, dando-lhe um corpo, um hábito, uma morada. Ela certamente ainda está em Deus, mas já permite que Deus saia de si mesmo, saia da Trindade. É a expressão de Deus, mas uma expressão imaginada, ainda não manifestada. A meditação gichteliana assimila a meditação boehmeana em profundidade.