A Ascensão da Alma [ICEE]

Ioan Couliano — EXPERIÊNCIAS DO ÊXTASE [ICEE]

Introdução

O livro de Couliano se propõe como crítica às teorias da religionsgeschichtliche Schule (Anz, Bousset, Reitzenstein, Franz Cumont, etc.) sobre a ascensão da alma durante a Spätantike (baixa antiguidade).

A fórmula definitiva dessas teorias é dada por Wilhelm Bousset, afirmando em substância:

  • a origem da ascensão celeste é iraniana;
  • sob este tipo originário, a ascensão se desenrola através três céus;
  • mais tarde, sob a influência babilônica, um esquema de sete céus substitui o anterior de três;
  • nova influência iraniana nos primeiros séculos do cristianismo aportam o dualismo que será aquele dos sistemas gnósticos.

Ugo Bianchi demonstra que o dualismo zoroastriano pertence a outro gênero de dualismo que aquele dos sistemas gnósticos, do qual não seria o ancestral.

W. Anz, predecessor de Bousset afirmava erroneamente que os assírio-babilônicos desconheciam tradições de ascensão: os mitos de Adapa e Etana demonstram o contrário.

Na época de Bousset, estava-se convencido da existência de uma ligação entre os sete estágios do templo de Borsippa e os sete planetas. Esquecia-se que a cosmologia babilônica adotava um número variável de céus, de um a dez, com exceção de seis; os babilônicos não relacionavam as esferas celestes aos planetas (trajetórias planetárias eram coplanares), pois não admitiam que os planetas circulavam a diferentes distâncias em relação à Terra (os gregos foram os primeiros a formular a hipótese das distâncias planetárias em relação à Terra, devido à duração de suas revoluções).

Philippe Gignoux e Gherardo Gnoli reconstituem as posições iranianas paralelas ao desenvolvimento dos relatos da ascensão do helenismo à Idade Média, descartando interações.


Das teorias da religionsgeschichitliche Schule só se salva a ideia de Wilhelm Anz que a ascensão da alma representa o motivo central do Gnosticismo. Hans Jonas afirma corretamente que a ascensão da alma do gnóstico representava a realização existencial da gnosis. Limitado pelas categorias heideggerianas que empregava Hans Jonas perdeu de vista a originalidade da gnose, uma originalidade que se revela sobretudo a partir de textos em língua copta que nos chegaram. Jonas infelizmente só teve acesso em sua pesquisa a mesma documentação disponível para Bousset.

Recomenda-se estudar os quadros narrativos dos tratados em língua cóptica, especialmente Zostriano, que nos apresenta o caminho que leva a prática gnóstica até a iluminação final.

Zostriano é apresentado como um adepto que vivendo segundo os preceitos rigorosos de seu grupo permanece no entanto profundamente insatisfeito; Retira-se do mundo criado pelo cosmocrator, para viver apenas segundo o interesse da comunidade dos eleitos. Separou-se das trevas do corpo, do caos psíquico ou desordem mental e desta paixão funesta que é a concupiscência, o desejo (epithymia) sob todas as suas formas; dobrou em si mesmo tudo pertence à “criação morta” (o mundo visível). Sustentou diante da comunidade discursos sobre o mundo hiper-urânico dos eones, as entidades puras de luz formando o pleroma gnóstico. Zostriano é visitado por presenças do mundo pleromático e meditando sobre a gnose (relações entre o modelo supra-celeste e o cosmos; a existência separada dos eones e a fragmentação do mundo visível, na individuação do ente). Sua questão é aquela fundamental da metafísica: porque o que existe, existe?; como da unidade indivisível do Primeiro Princípio surgem os eones: Existência, Forma e Beatitude (ao lado do (arche), da origem, que o existir e o ser-tal daquilo que existe, Zostriano põe também o (telos), a finalidade, que o terceiro éon, Beatitude, finalidade de cada ser individualizado.

Zostriano não para de pensar em tudo isto dia após dia, pois embora pertencente aos eleitos, separado mundo infame da criação, não está satisfeito sem a experiência direta das realidades meditadas e pregadas por ele, mas que lhe fazem falta. Tomado de desespero pare para o deserto na intenção de morrer de inanição ou de morte violenta, o que então provoca a intervenção do mundo de Luz, que lhe envia um mensageiro, que o condena por sua tentativa de suicídio, que o lançaria no ciclo de transmigrações indefinidamente, e lhe orienta a retornar junto aos eleitos continuando a pregar para o zelo e ciência dos mesmo. Entretanto o mensageiro lhe oferece ainda uma viagem em espírito ao mundo dos eones (aion), por meio de uma nuvem luminosa que percorre os espaços. Trata-se da nuvem da gnosis, uma espécie de redução à escala do pleroma, e ao mesmo tempo uma visualização desta semente intelectual que Zostriano porta em si, sem saber. Batizado, ou seja adotado, em todos os eões sucessivos, ele sobe até a quaternidade suprema, recebendo do grande Authrounios “que domina o topo” do cosmos a resposta concernente o modelo e a cópia; outra entidade de luz, Ephesech, lhe dá informações mais detalhadas sobre as estruturas e o funcionamento do pleroma.

O gnóstico, que Zostriano é o protótipo, se encontra em uma encruzilhada onde pode seguir o ritual ou a intuição intelectual; ambas falsas alternativas, até o momento que o gnóstico ele mesmo é capaz de tornar manifesto a gnose universal guardada nele mesmo. Ser um verdadeiro gnóstico não significa praticar a gnosis, como processo ritual ou meditação, mas obter a experiência direta daquilo que se busca, e que já se sabe, que já se é. O que conta é o reencontro com seu próprio Si-mesmo transcendental, a nuvem luminosa, que é paradoxalmente ao mesmo tempo o infinito da gênese dos mundos e a chispa infinitamente pequena do espírito guardada no homem (vide Mestre Eckhart).

Ioan Couliano