Schuon (EPV) – Absoluto

Absoluto, Infinidade, Perfeição; este terceiro termo designa o resultado da Resplandecência produzida pelo Infinito em virtude do Absoluto, ou melhor dizendo: pela Infinitude necessariamente própria do Absoluto. A primeira Hipóstase que surgiu na Relatividade, ou seja, o Ser, o Princípio pessoal e criador, é a primeira Perfeição, no sentido de que Ele é a Perfeição Suprema. Aliás, a Perfeição é essencialmente constituída de Absolutez e, portanto, de Infinitude, mas de modo relativo e, consequentemente, diferenciado; daí a profusão de Qualidades divinas.

No Ser — o Ishwara dos vedantinos — o Absoluto dá margem ao polo determinativo e, por assim dizer, masculino ou paternal do Ser, Purusha, ao passo que a Infinitude se apresenta como o polo simultaneamente receptivo e produtivo e, por assim dizer, maternal do Ser, Prakriti. A nova Hipóstase daí resultante, no ápice ou mesmo no centro da Existência, portanto, aquém do Ser e na criação, é o Intelecto universal, Buddhi. É “o Espírito” já criado, no entanto, ainda divino e é, em suma, o prolongamento eficiente da Inteligência criadora e iluminadora de Deus na própria criação.

A Perfeição produz este paradoxo: combinar o Absoluto, que é Infinito, com a Relatividade, portanto com um grau ou uma forma de limitação. Aliás, é precisamente a limitação que permite perceber determinada potencialidade de absolutez ou de infinitude, o que prova que a Relatividade, se por um lado vela, limitando, por outro desvela, especificando.


O Superser é o Absoluto, ou o Incondicionado, por definição, infinito, portanto, ilimitado; mas também se pode dizer que o Superser é o Infinito, por definição, absoluto. No primeiro caso, põe-se em evidência o simbolismo da virilidade; no segundo caso, o da feminilidade; a Divindade Suprema é Pai ou Mãe. As noções de Absoluto e de Infinito não revelam por si mesmas uma polaridade, exceto quando as justapomos, o que já corresponde a um ponto de vista relativo. Dissemos que, por um lado, o Absoluto é o Infinito e vice-versa; por outro, o primeiro sugere um mistério de unicidade, de exclusão e de contração, e o segundo, um mistério de totalidade, de inclusão e de expansão.

A Relatividade, dissemos, desenvolve-se no aspecto de Ilimitação do Incondicionado e age por velamentos sucessivos até o ponto extremo do afastamento — ponto que, por ser ilusório, nunca é atingido ou que se atinge apenas simbolicamente. Para o nosso mundo, esse ponto extremo é a matéria; mas podemos conceber pontos extremos indefinidamente mais concretos e, sobretudo, muito mais sutis. Não existe cosmogênese sem teogênese; esse termo é metafisicamente plausível mas discrepante, visto que parece atribuir às Hipóstases um transformar-se, quando só pode tratar-se da sucessão do princípio em direção ao relativo. O ponto de chegada da teogênese é a Hipóstase mais relativa ou mais exterior, ou seja, o “Espírito de Deus” que, embora já esteja criado, uma vez que ocupa o centro luminoso da criação, ainda continua divino. É o Logos que prefigura, por um lado, o gênero humano na qualidade de representante natural de Deus na Terra e, por outro, o Avatara como representante sobrenatural de Deus entre os homens.

A polaridade “Incondicionado-Ilimitado” — na medida em que se pode tratar de uma polaridade, resultado não do sentido dessas palavras mas unicamente da sua justaposição comparativa, que justamente restringe os seus significados — essa polaridade, digamos, repete-se na própria estrutura do Véu, ou de Maya, ou da Relatividade, o que nos leva ao simbolismo da tecelagem. O primeiro termo da polaridade passa a ser a cadeia ou a dimensão vertical ou masculina, enquanto o segundo termo torna-se a trama ou a dimensão horizontal ou feminina. E, em todos os níveis, cada uma dessas dimensões comporta elementos de Existencialidade, de Consciência, de Bem-aventurança, de acordo com o ternário vedantino, e de maneira ativa ou passiva, segundo a relação dos elementos com a cadeia ou com a trama. A complementaridade “Incondicionado-Ilimitado” que comporta esses três elementos produz, assim, num jogo indefinido e cambiante, a profusão imensurável dos fenômenos. Assim, o universo é um véu que, por um lado, exterioriza a Essência e, por outro, se localiza nela própria como Infinitude.

Em linguagem islâmica, a polaridade divina que acabamos de comparar com a cadeia e a trama exprime-se pela letra alif, que é vertical, e a letra bâ, que é horizontal; trata-se das duas primeiras letras do alfabeto árabe, uma simbolizando a determinatividade e a atividade; a outra, a receptividade ou a passividade. As mesmas funções se expressam por meio das imagens do Cálamo (Qalam) e da Mesa (Lawh). Em todo fenômeno e em cada nível cósmico há uma “Ideia” que se encarna num receptáculo existencial; o Cálamo é o Logos criador, ao passo que as Ideias que ele contém e projeta se relacionam com a “Tinta” (Midâd). Encontramos a mesma polaridade no microcosmo humano, sendo o homem simultaneamente “vigário” (khalifah) e “servidor” (abd), ou intelecto e alma.

Segundo um cérebre hadith, Deus era um tesouro escondido que quis ser conhecido e que, por esse motivo, criou o mundo. Estava oculto aos homens ainda inexistentes; consequentemente, a inexistência dos homens foi o primeiro véu. Portanto, Deus criou o mundo para os homens, para ser conhecido por eles e a fim de projetar a sua própria Felicidade em inúmeras consciências relativas. É por isso que se tem dito que Deus criou o mundo por amor.

Onde estiver Atma, lá estará Maya, a Vida intrínseca e o Poder de desdobramento extrínseco. Em linguagem islâmica, e deixando de lado a noção do Hijab, dir-se-á que onde estiver Allah lá estará Rahmah, a infinita Clemência e Misericórdia. E é o que expressa esta fórmula fundamental que introduz os suratas do Corão e, na vida humana, todo escrito e todo empreendimento: “Em Nome de Deus Todo-Clemente e Todo-Misericordioso.” O fato de acrescentarmos esses nomes de infinita Bondade ao Nome Allah indica que a Bondade está na própria essência de Deus e que não é, como a maioria das Qualidades divinas, um elemento que surge apenas por refração no plano já relativo dos atributos. Isso quer dizer que Rahmah pertence à Dhat, a Essência, e não aos atributos, Çifât. Rahmah é Maya, não do ponto de vista da Relatividade e da Ilusão, mas do da Infinitude, da Beleza, da Generosidade.

Frithjof Schuon