Índice
-* Santidade = qadasa = estar muito distanciado
- Distanciamento de Deus dos embaraços do Cosmos
- Transcendência – elevação
- Teoria mística do número
- Relação da Natureza cósmica com Deus
- Nomes divinos
tradução
…Um dos Nomes de perfeição de Deus é o Elevado (al-’ali). Mas em relação a que é Ele elevado, pois não há nada aí senão Ele tão-somente? [As existências relativas não podendo ser tomadas como termo de comparação com o Ser supremo]. É Ele essencialmente o Elevado ou o é em respeito a alguma coisa? Ora, tudo não é senão Ele. Ele é portanto elevado em Ele mesmo. Por outro lado, como Ele é o Ser de tudo o que existe, as existências efêmeras são, elas também, elevadas em sua essência, pois elas são essencialmente idênticas a Ele.
Deus é o Elevado sem relatividade; pois as essências [dos seres] (al-a’yan) que não são [nelas mesmas] senão não-existência (’adam), e que são imutáveis neste estado, nem mesmo sentiram o odor da existência (al-wujud)1; elas permanecem tais quais eram, apesar da multiplicidade das formas nas realidades manifestadas. Quanto à determinação essencial (al-’ayn) do Ser, ela é única entre todas e em todas. A multiplicidade não existe senão nos Nomes, que não passam de relações e realidades não-existentes (umurun ’adamiyah). Não há senão a determinação única da Essência, que Ela é O Elevado em Ele mesmo, sem relação para com o quer que seja. E sob este referencial não há elevação relativa; mas posto que os aspectos do Ser comportam uma hierarquia entre eles a elevação relativa acha-se implicada na determinação única [do Ser] em virtude de seus aspectos múltiplos. Por esta razão dizemos do relativo que ele é Ele [quer dizer, Deus] e que ele não é Ele, e que tu és ti mesmo e não ti mesmo.
Abu Sa’id al-Kharraz, que é ele mesmo um dos múltiplos aspectos de Deus e uma de Suas línguas, diz que Deus não pode ser conhecido [ou “definido”] senão pela síntese de afirmações antinômicas; pois Ele é o Primeiro e o Último, o Exterior e o Interior; Ele é a essência disto que se manifesta e a essência disto que resta oculto quando de Sua manifestação. Não há ninguém fora Ele que possa O ver, e ninguém a quem Ele possa se ocultar; é Ele que Se manifesta a Ele mesmo, e é Ele que Se oculta a Ele mesmo. É Ele que se chama Abu Sa’id al-Kharraz e por outros nomes efêmeros. O Interior diz “não” quando o Exterior diz “Eu”; e o Exterior diz “não” quando o Interior diz “Eu”. Assim se passa para toda antinomia; entretanto, não há senão um só que fala, e Ele é Ele mesmo Seu ouvinte.
Assim, as realidades se misturam: a unidade produz os números segundo sua série conhecida; e os números por seu turno subdividem a unidade. O número não é manifestado sem isto que é contado; e isto que está sujeito ao número comporta de um lado a não-existência e de outro lado a existência; pois uma coisa pode ser ausente no plano sensível e existente de uma maneira inteligível. Existe necessariamente polaridade do número e disto que está sujeito ao número; e há necessariamente uma produção dos números a partir da unidade, embora cada número represente uma ideia única. Cada número, de fato, aquém da dezena assim como além dela, até o indefinido, é nele mesmo único; sua realidade essencial (haqiqah) não é concebível quantitativamente, pela adição das unidades; o binário, por exemplo, é uma ideia única, assim como o ternário, e assim toda a série indefinida dos números; ora, se cada número representa uma verdade única, nenhum deles pode essencialmente compreender os outros, mas a adição os toma a todos por sua ordem e os afirma todos em virtude desta ordem, que comporta vinte graus [as unidades e as dezenas] que se combinam. Assim, não cessas de afirmar isso mesmo que tu negas a priori [quer dizer, afirmas continuamente a composição sucessiva da série dos números partindo da ideia única e indivisível que cada número comporta]. Aquele que compreende isto que dizemos dos números, e que sua negação é ao mesmo tempo sua afirmação, sabe que Deus, que é transcendente no sentido do tanzih, é [também] criatura “comparável” no sentido de tashbih – embora a criatura seja distinta do Criador.
A Realidade é Criador criado [ou seja o Criador imanente à criatura]; ou bem, a Realidade é criatura criadora [Deus não se manifesta senão em vista da criatura]. Tudo isso não é senão expressão de uma só essência; – não, é a um tempo a essência (al-’ayn) única e as essências (al-a’yan) múltiplas. Considera portanto isto que tu vês!
[Isaac disse a seu pai Abraão que se preparava para sacrificá-lo:] “Ó meu pai, faz isto que te foi ordenado”. Ora, a criança é [simbolicamente] a essência de seu gerador. Quando Abraão viu num sonho [inspirado] que ele imolava seu filho, ele se viu em realidade se sacrificar ele mesmo. E quando ele resgatou seu filho pela imolação do cordeiro, ele viu a realidade que se manifestara sob a forma humana, manifestar-se sob o aspecto do cordeiro. É portanto assim que a essência do gerador se manifesta sob a forma da criança, ou mais exatamente sob a referência da criança.“[É Ele quem vos criastes de uma só alma] e que dela criou sua companheira…” (Corão, IV, 1). Em outros termos, Adão desposou sua própria alma; dele saíram tanto sua companheira e seu filho. É assim que a Ordem [divina] é única dentro na multiplicidade.
O mesmo acontece com a Natureza (at-tabi’ah) e disto que dela procede2. A Natureza jamais diminui por causa de suas produções, nem aumenta pela reabsorção delas. Isto que ela produz não é outra coisa que ela mesma, embora ela não seja, como tal, idêntica às suas produções de formas variadas. Esta aqui, por exemplo, é fria e seca, outra aí quente e seca3; elas são então homogêneas pela secura, mas distintas por uma outra qualidade. É a qualidade comum que é a Natureza – ou melhor: a determinação primordial [de todas estas qualidades]. O mundo da Natureza consiste em formas [variadas se refletindo] em um espelho único; – ou melhor: é uma única forma [se refletindo] em espelhos diversos.
É assim que não há senão perplexidade (hayrah) pelo fato das perspectivas contraditórias. Mas aquele que compreende isto que dissemos não cai na perplexidade, mesmo quando ele passa de um estado de conhecimento a um outro; pois [a mudança de perspectiva] não provém senão da condição inerente ao “lugar” [mahall, significando a paragem espiritual, o estado receptivo interior]; e o “lugar” [neste sentido] não é senão uma determinação imediata da essência (al-’ayn ath-thabitah) [do ser que contempla a Deus]. É em virtude desta [quer dizer em virtude desta determinação] que Deus Se diferencia no “teatro” de Sua revelação, de modo que Ele assume uma por uma condições diversas; isto que O determina [aparentemente] não é senão a determinação essencial na qual Ele Se revela. Não há nada de outro. Sob tal referência, Deus é criatura – então, interpretais! – E Ele não é criatura sob tal outra referência – portanto, lembrais!
Quanto ao Elevado em Ele mesmo, Ele é aquele que possui a perfeição [ou a infinitude, al-kamal] na qual “imergem” todas as realidades existenciais assim como todas as relações não-existentes [em elas mesmas], neste sentido que nenhum destes “atributos” não Lhe faz falta, que o atributo seja positivo, lógica ou moralmente, ou que ele seja negativo, segundo o costume, a razão ou a moral. Ora, esta infinitude não pertence senão Àquele que designa o nome Alá [que é o nome da Essência] exclusivamente; quanto a este que é designado por um outro nome, é, seja um de Seus “lugares de revelação” (majla), seja uma “forma” que Lhe é inerente; se é um “lugar de revelação”, ele comporta um grau hierárquico, por conta de que há distinção entre aquele que se revela e aquele em que ele se revela; ao contrário, se se trata de uma “forma” [no sentido de uma síntese de Qualidades, contida] em Deus, esta “forma” será a expressão imediata do Infinito, posto que ela é essencialmente idêntica a isto que se revela nela4. Tudo isto que pertence a Alá, pertence assim igualmente a esta “forma” [qualitativa]. No entanto, não se diz desta forma que ela é Ele; mas não se diz também que ela é outro que Ele.
É a isso que o imam Abu-l-Qasim ibn Fasi fez alusão em seu livro “Retirando as sandálias” [de Moisés diante da sarça ardente] dizendo: “Em verdade, cada Nome divino é qualificado por todos os Nomes divinos”. É bem assim: cada Nome, de fato, afirma as essências ao mesmo tempo que a Essência, seguindo sua significação: enquanto ele demonstra a Essência, todos os outros Nomes aí estão implicados, e enquanto ele afirma uma significação particular, ele se distingue dos outros, como “O Criador” se distingue de “Aquele que dá a forma”, e assim por diante. O Nome é assim por um lado essencialmente idêntico ao Nomeado e, por outro lado, distinto d’Ele por sua significação particular.
Austin (nota)
To understand the significance for this chapter of the word “holiness” in the title, it is necessary to know that the meaning of the Arabic root qadasa is “to be far removed,” which in this context means the spiritual remoteness of God from the trammels of the world or Cosmos. To demonstrate the relevance of this notion further, it must be pointed out that, in most spiritually oriented religious traditions, the notion of spiritual remoteness, in the sense of transcendence, is closely associated with the notion of height or elevation, which is precisely the main topic of discussion in this chapter.
Ibn al-‘Arab divides the concept of elevation into two kinds, elevation of position, which relates to cosmic activity by the soul, and elevation of degree, which relates to the knowing of the spirit. He discusses also the meaning and significance of the term “elevation” in connection with God. In other words, elevation of position is according to a cosmic scale and elevation of degree is according to a divine scale, although it is only God, as the worshiped element in the polarity Creator-creation, Who may be said to be elevated, since the Reality Itself is beyond and, at the same time, embraces such a concept, whether it be of position or degree. It all depends on whether one [82] views God as the One in the sense of the Unique, or as the One, the First of many.
This leads us on to the next subject dealt with in the chapter, namely that of the mystical theory of number. Here he discusses the implications for his teachings of considering the number one, either as the number par excellence from which all other numbers derive and of which they are merely manifestations, or the number one as a unique reality in itself, unrelated to and beyond any possibility of multiplication. For Ibn Arabi, this question relates, once more, to the polarity God in Himself-God in the Cosmos. In other words, are we to see God as unique, and therefore as unrelating and unrelatable, or as the relating and related origin of all created existence? Ibn Arabi’s answer is, of course, that both perspectives are true of the Reality.
Going on to discuss the relationship of cosmic Nature with God, Ibn al-‘ArabI compares it to the father-son and Adam–Eve relationship, by which he seeks to show that the Cosmos, deriving as it does from God, is essentially none other than He. He returns to these analogies later in the work. However, as he points out earlier in the chapter, regarded from the standpoint of the Reality Itself, there is no clear bias in favor of the Creator rather than creation, since, from this standpoint, we may speak of a “created Creator” and a “creating creation,” as he himself expresses it.
The chapter ends with another look at the subject of the divine Names. Since all the Names that, as we have seen, serve to describe the nature of the relationship Creator-creation are the Names of God, which term is itself the universal Name, each particular name must needs express, if only essentially, all the other Names, while in itself denoting some particular aspect of the divine connection with the Cosmos. Thus each particular creation in its own particular relationship with its Lord, as determined by its own latent predisposition in divinis, partakes in reality in all possible creation, since even in its own particularity it is, and cannot be, other than He.
Chittick (nota)
The Shaykh saw fit to devote this Wisdom to Idris because he was a prophet who went to the greatest lengths in purifying his soul through arduous ascetic practices and in sanctifying himself from the attributes of animality, until his spiritual nature gained complete sway over his animal nature and he totally cast off his body and made a journey to the Heavens (mi’râj), where he spoke to the angels and the disengaged Intellects. And it is said that for sixteen years he neither ate nor slept, until only a transcendent intellect remained.
And since it is mentioned in the Quran concerning Idris that “We raised him up to a high place” (XIX, 57), and since “elevation” is of two kinds, the Shaykh alludes to these with his words, Elevation is of two kinds: One of them is elevation of place (makân), which is attributed to God according to various texts, like His words, “The All-Merciful sat Himself upon the Throne” (Quran XX, 5), and like the cloud mentioned in the words of the Prophet, “He was in a cloud, above which there was no air, and below which there was no air”, in his answer to the bedouin who asked, “Where was our Lord before He created His creation?”, and like the heaven mentioned in His words, “And it is He who in heaven is God” (Quran XLIII, 84); and the second is elevation of position (makânah) or rank, which must be attributed to God according to verses like: “All things perish, except His Face” (Quran XXVIII, 88).
And mankind are described by the two elevations, for they are moving about between knowledge of God and works for him. So some of them rise in the levels of the knowledge of God, like the gnostics; and others become ranked in the degrees of works, like the worshippers and ascetics; and some of them combine the two, like those who have reached perfection. So works pertain to place, i.e., they result in the elevation of place, like Paradise and its various degrees, and knowledge pertains to position, for it results in elevation within the degrees of nearness to God. This is because position pertains to the Spirit, just as place pertains to the body. So each of them necessitates what resembles and is similar to itself. Hence elevation of position belongs to him who knows, and elevation of place to him who performs works. And whoso combines the two perfections possesses both elevations.
But as for the elevation of relative superiority (mufâdalah), i.e. the elevation in which certain of the elevated are superior in relation to others, that is His words, or must be attributed to God according to His words, “And you are the uppermost, and God is with you” (Quran XLVII1, 35) where He affirms that those whom He is addressing possess a higher elevation and that He is with them in this elevation. Hence higher elevation must also be attributed to Him. So this, i.e., elevation of relative superiority, refers to His theophany in His loci of self–manifestation, which are multiple and graded in ranks. It does not refer to the Unity of His Essence. For in one theophany He is higher in elevation than in another theophany, like His words in the Quran, “Nothing is like Him” (XLII, 11) and like “Surely I am with you, I hear and I see” (Quran XX, 46) and like His words in the hadîth, “I was hungry and you fed me not”. So it becomes obvious that His elevation of relative superiority is from the point of view of the multiplicity of theophanies and aspects, not in respect to the Unity of the Essence, for verily at the level of Unity there is only real and intrinsic elevation, not relative elevation.
An-Nabulusi comenta: “… porque elas não passam de possibilidades puras, que como tais jamais passarão ao estado de ser necessário”. ↩
Produção que é inversamente análoga da manifestação da Essência. ↩
A Natureza tem quatro determinações fundamentais que se exprimem na ordem sensível pelo calor, o frio, a secura e a umidade, qualidades que se poderia chamar os “agentes” de todas as mudanças naturais. ↩
De sorte que toda distinção hierárquica provém, deste ponto de vista, da substância receptiva (al-qabil). ↩