Deghaye (PDND) – Deus

O Deus de Boehme é semelhante à Divindade mencionada na tradição islâmica: “Eu era um tesouro oculto, amei ser conhecido, então criei criaturas para ser conhecido”. O Deus de Boehme é uma Divindade oculta que anseia por ser conhecida e que se revela gradualmente, primeiro em um ciclo de emanação septiforme, depois criando e manifestando-se em Sua criação.

A teosofia nos mostra Deus em seu processo de revelação. Seu propósito é a revelação em ação, descrita no ciclo de seu cumprimento. Isso significa que, para o sujeito chamado a recebê-la, a realidade primária é a do Deus oculto. É uma realidade negativa: Deus está ausente, e até mesmo Deus está morto. E, no entanto, pelo maior de todos os paradoxos, este Deus oculto dará origem a um Deus revelado. A revelação será a geração de um Deus que será conhecido.

A revelação em ação não é simplesmente o Deus vivo iluminando seus profetas. A revelação é o nascimento de Deus. Entretanto, este Deus que nasce não é o Absoluto. O Deus que nasce e que se revela ao nascer é uma emanação deste Absoluto e é como seu duplo. O Absoluto não nasce. Sua eternidade é perfeita; não conhece começo nem fim. O nascimento de Deus ocorre em um início que precede a criação.

O nascimento de Deus é uma revelação primordial que é progressiva. Ocorre em sete estágios, e é somente no quarto estágio que a luz irrompe. Em outras palavras, no início são as trevas que reinam, não a luz. A lógica da revelação é que começa com a escuridão. Esta não é uma simples pressuposição, porque a noite é parte integrante da revelação. Ela é seu primeiro termo. Raciocinamos como se Deus não existisse antes de nascer. Para o sujeito que aguarda a revelação, o Deus oculto não é nada além de escuridão.

Este sujeito é o homem. A revelação só faz sentido em relação ao homem. Portanto, inclui a criação. Na teosofia de Boehme, a criação é entendida a partir da perspectiva da revelação. Deus se revela ao criar. A criação e a revelação são uma e a mesma coisa.

O Deus de Boehme se assemelha à Divindade da tradição islâmica, que criou criaturas para serem conhecidas. A criatura por excelência é o homem. O propósito de Deus é ser conhecido pelo homem. Toda a economia divina está subordinada a este fim.

Conhecer não é apreender abstratamente por meio do jogo do intelecto. Conhecer é participar do objeto conhecido. Conhecer Deus é, para o homem, tornar-se participante da natureza divina. Isto implica que Deus está em nós. Portanto, Deus deve nascer em nós. O nascimento de Deus, que é a revelação, não ocorre em um lugar infinitamente distante de cada um de nós. É na pessoa humana que Deus nasce e é revelado.

Para usar uma linguagem moderna, que não é a de Boehme, diríamos que Deus nasce nas profundezas de nossa subjetividade. Boehme não se expressa dessa forma, mas o que o inspira é a experiência mística do crente cuja alma dá à luz a Cristo. A teosofia de Boehme é enxertada no misticismo cristão.

Deus se dará a conhecer ao homem gerando nele. Mas, ao mesmo tempo, Deus conhecerá a si mesmo. A Divindade oculta de Boehme não conhece a si mesma. Deus se conhecerá no homem, assim como será conhecido pelo homem. Por outro lado, conhecendo Deus, o homem conhecerá a si mesmo. Sem Deus, o homem não conhece a si mesmo.

Para conhecer a si mesmo, Deus deve gerar a si mesmo. Até que essa geração seja realizada, Deus aparece para nós apenas como o Nada. Como o Nada poderia conhecer a si mesmo? Deus puro espírito, Deus considerado antes dessa jornada que o levará a criar para se dar a conhecer e conhecer a si mesmo, essa Deidade, tomada em si mesma, tem a perfeita tenuidade do Nada. Esse Nada terá de produzir algo para que Deus possa ser compreendido e apreendido. É nesse algo que Deus brilhará e contemplará sua própria glória.

Toda esta história de manifestação divina começa na escuridão. A escuridão é praticamente sinônimo de mal e inferno. O mal está no início, ou pelo menos é o seu arquétipo. Identificado com as trevas, o mal preexiste a toda a criação.

É claro que o mal é impossível no nível da Deidade pura. Mas este Absoluto não é o Deus cujo nascimento a teosofia descreve. O Deus de Boehme é o Deus revelado, ou melhor, o Deus que se revela. E é precisamente o problema do mal que está ligado ao problema da revelação.

Para se revelar, a Divindade deve produzir algo que não seja ela mesma. Trará à existência uma realidade substancial que espelhará sua glória. Quando a revelação for consumada, esta realidade se assemelhará perfeitamente à glória que reflete. Mas no momento em que passa a existir, parece diferente.

Jacob Boehme, Pierre Deghaye