Schuon (EPV) – Esoterismo e Exoterismo II

Simplificando as coisas, poderíamos afirmar que o esoterismo põe a forma — o credo — acima da essência — a Verdade universal — e não aceita esta senão em função daquela; a forma, por sua origem divina, é aqui critério da essência. Muito pelo contrário, o esoterismo coloca a essência acima da forma e só aceita esta em função daquela. Para ele, e segundo a hierarquia real dos valores, a essência é o critério da forma; a Verdade una e universal controla as várias formas religiosas da Verdade. Se a relação é inversa no esoterismo, evidentemente não será por motivo de oposição, mas pelo fato de a forma como cristalização da essência ser responsável pela Verdade. Esta é considerada inacessível com exceção da forma — ou mais precisamente: de uma forma com exigência absoluta — e com razão no que se refere à humanidade em geral, sem o que não se explicaria o fenômeno da Revelação dogmática.

O que caracteriza o esoterismo na medida mesma em que é absoluto é que, em contato com um sistema dogmático, por um lado ele universaliza o símbolo ou o conceito religioso e, por outro, o interioriza. Reconhece-se o particular ou o limitado como sendo a manifestação do principal e do transcendente, e este, por sua vez, revela-se imanente. O Cristianismo universaliza a noção de “Israel”, interiorizando a Lei divina; substitui a circuncisão da carne pela do coração, o “Povo eleito” por uma Igreja que engloba homens de qualquer procedência, as prescrições exteriores pelas virtudes, o todo visando não à obediência à Lei, mas ao amor a Deus e, finalmente, à união mística. Estes princípios ou estas transposições não podiam ser ignorados pelos essênios e, eventualmente, por outros iniciados judeus, mas a originalidade do Cristianismo é que ele fez disso uma religião e lhes sacrificou o formalismo mosaico.

Segundo um princípio já assinalado por nós, no Cristianismo o esoterismo absoluto só pode relacionar-se com a própria mensagem cristã. Será uma mensagem indireta, não-direta, mas será de origem cristã e não outra, apesar de certas convergências doutrinais cuja possibilidade ou oportunidade já mencionamos. Mas a ideia-força do Cristianismo é que “Deus tornou-se homem a fim de que o homem se tornasse Deus”: isto é, em linguagem vedantina — uma vez que o nosso ponto de referência é Shankara —, “Atma tornou-se Maya a fim de que Maya se tornasse Atma” A união com Cristo implica na identidade com ele; e acrescentaremos que a união com a Virgem implica na identificação com o aspecto de doçura e de infinitude do Logos, pois a shakti do Absoluto é o Infinito; todas as qualidades e prerrogativas de Maria deixam-se reduzir às essências da divina Infinitude. Maria é uma dimensão de Jesus que ele expressou ao dizer: “Meu jugo é doce e meu fardo, leve”; aliás, há vantagens em dirigir-se a essa dimensão em particular a fim de atingir a totalidade. Do mesmo modo, a Virgem personifica nela mesma a Sabedoria informal, em virtude de ser a Mulher “vestida de sol” e a mãe da Revelação: ela é a Sabedoria sob seu aspecto de resplendor, portanto, de Beleza e de Misericórdia.

Se no Vedanta shankariano e não-dualista é o Intelecto inato — a Consciência divina imanente — que opera a reintegração no Si-mesmo, no Cristianismo, esse Intelecto salvador exterioriza-se e personifica-se em Cristo e, em segundo lugar, na Virgem. 2° No Hinduísmo, esse mesmo papel cabe, segundo diferentes pontos de vista e, às vezes, combinados, ao grande avatârâ ou à sua shakti, ou ao guru. A função do Cristo heroico é despertar e manifestar o Cristo interior; mas, a exemplo do Logos que Jesus manifesta humana e historicamente, o Cristo interior ou o CoraçãoIntelecto é universal e, portanto, transpessoal. 3° Ele é “homem verdadeiro e Deus verdadeiro” e, em consequência, falando analogicamente, Afoya e Atma, Samsara e Nirvana: jogo de velar e desvelar e Realidade imutável; drama cósmico e Paz divina.

Frithjof Schuon